Pessoas com demência: Quão prejudiciais foram as mudanças impostas pela pandemia?

Nem todas as queixas de memória terminam em demência e podem ter causas muito diferentes. Quer na Doença de Alzheimer, quer na demência vascular que é quase tão prevalente em Portugal, existe muito a fazer para prevenir e atrasar o agravamento.

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"A diminuição das actividades físicas e de socialização também facilitaram o declínio cognitivo e motor" Paulo Pimenta

Demência é um termo, carregado de estigma negativo, usado para designar o que presentemente se tende a chamar de Defeito Cognitivo Major. Ambas as denominações referem-se a um processo de degenerescência cerebral progressivo, afectando principalmente a cognição e o comportamento humano e, para o qual, ainda não foi descoberta cura. A pessoa afectada vai perdendo funções como a memória, atenção, linguagem, capacidades de calculo, de julgamento das situações mais complexas e de tomada de decisão. Em Portugal, mais de 190.000 pessoas sofrem desta patologia.

Existem vários tipos de demência, sendo a mais frequente a Doença de Alzheimer (cerca de 50%). Na fase de demência, a perda cognitiva incapacita o indivíduo para as tarefas profissionais e mesmo pessoais e conduz à perda de autonomia. Nas fases mais precoces, o indivíduo apesar do seu defeito cognitivo, consegue compensá-lo e viver sem necessidade de ajuda de terceiros (Defeito Cognitivo Ligeiro).

A pessoa com demência tem dificuldade em compreender situações complexas como a da covid-19.

Habitualmente a deterioração da cognição acompanha-se também de alterações comportamentais (por exemplo: irritabilidade ou falta de empatia com os outros) que resultam em agravamento do estado clínico do doente, menor resposta ao tratamento e em consequência pior prognóstico, acelerando a institucionalização. Os sintomas comportamentais são mais raros se o ambiente em redor for tranquilo, se as rotinas forem cumpridas com regularidade e as actividades do dia-a-dia forem agradáveis.

Quando surgiu a pandemia por coronavírus, cedo se percebeu a elevada contagiosidade e virulência deste microrganismo, assim como a elevada morbilidade e mortalidade dos idosos. Na tentativa de erradicar o mais possível o contágio, suspenderam-se as consultas presenciais.

Mas, a partir dessa altura, modificaram-se quase todas as rotinas das pessoas com demência. Encerraram-se os Centros de Dia e os utentes tiveram de ficar em casa. Os lares fecharam-se em confinamento e os familiares deixaram de poder visitar quem lá mora. Aos que ficaram em casa, os netos e os filhos deixaram de os visitar com medo de serem transmissores do vírus, e a sensação de isolamento e abandono tomou conta de muitos...

Logo, é fácil de compreender quão prejudiciais foram, para o bem-estar das pessoas com demência, as mudanças impostas pela pandemia.

Durante todo o estado de emergência houve necessidade de prestar apoio aos cuidadores dos doentes com Alzheimer. Ora porque faltava medicação, ora porque os doentes ficavam ansiosos, não dormiam, estavam mais agitados, recusavam alimentar-se… Este apoio foi em princípio prestado por telefone e depois por vídeo consulta. Num número ínfimo de casos obrigou a consulta de urgência presencial. Mais tarde compreendemos que, apesar de termos sido procurados sobretudo por causa de quadros de agitação, a diminuição das actividades físicas e de socialização também facilitaram o declínio cognitivo e motor.

A partir de Maio e apesar do ainda grande receio, os cuidadores e os doentes têm-se apercebido de que novas medidas de segurança foram tomadas para que os riscos da ida à consulta sejam minimizados, e têm retomado as consultas. Nem sempre, mas em muitos casos, um ajuste de medicação diminui o declínio que se instalou neste período. Por isso, é preferível não adiar as consultas para que o problema seja mitigado o mais rapidamente possível.

É ainda necessário falar das pessoas que surgiram com sintomas “de novo”. Algumas, já antes da pandemia os tinham. A procura de cuidados ficou adiada perante o pânico da situação de emergência que se instalou. Nem todas as queixas de memória terminam em demência e podem ter causas muito diferentes. Quer na Doença de Alzheimer, quer na demência vascular que é quase tão prevalente em Portugal, existe muito a fazer para prevenir e atrasar o agravamento. Por isso, é importante que em fase de Defeito Cognitivo Ligeiro seja identificado/excluído o problema cognitivo e tomadas medidas concretas quanto ao controlo dos factores de risco vascular e hábitos de vida.

Os medicamentos antidemenciais de que hoje dispomos são apenas sintomáticos, mas a aposta em novas terapêuticas é uma realidade e aguarda-se cada vez mais de perto a chegada de medicação que antagonize o processo degenerativo. Porém, estas novas terapêuticas, ainda em fase de estudos preliminares, deverão ser aplicadas a casos bem estudados e em fases precoces da doença, daí a importância do diagnóstico precoce e correcto.

Vale a pena relembrar o ditado: “Não deixe para amanhã o que pode fazer hoje.”

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