Como manter as crianças activas à medida que o tempo arrefece e a pandemia se alastra

Mente sã em corpo são. Nunca a ideia do poeta romano Juvenal fez tanto sentido. E, numa altura em que muitos procuram a segurança das quatro paredes, para fugir ao vírus, mas também ao frio que começa a espreitar, há que ser criativo.

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As brincadeiras mais físicas podem ajudar a controlar as quezílias entre irmãos Allen Taylor/Unsplash

Antes de mais, vamos tirar isto do caminho: não se sinta culpado. Estes são os conselhos que os especialistas oferecem aos pais que se preocupam em como manter os seus filhos em forma durante a pandemia do coronavírus, especialmente à medida que os dias ficam mais curtos, o tempo começa a arrefecer e as opções para brincar no exterior diminuem. É que, embora a Academia Americana de Pediatria recomende que as crianças tenham pelo menos 60 minutos de actividade física por dia, quando o intervalo entre as aulas é cancelado e as aulas de Educação Física são online, isso pode não ser viável para muitas famílias.

“Temos de assumir que toda a gente está assoberbada, e temos de dar algum crédito aos pais”, diz Hildi Nicksic, professora assistente de Cinesiologia, ciência que tem como objectivo a análise dos movimentos, na Universidade do Texas. “Compreendemos que há muita pressão, particularmente para os pais cujos filhos não regressaram à escola e que se vêem obrigados a assumir mais papéis do que o costume.”

Uma boa notícia: as crianças são resilientes, sublinha Sofiya Alhassan, professora associada e directora do Laboratório de Actividade Física Pediátrica da Universidade de Massachusetts, em Amherst. “É realmente importante não sentir culpa. Temos de fazer o que temos de fazer, sem que nos sintamos culpados por isso.”

Com isto resolvido, os médicos defendem que a actividade física dá energia às crianças, reduz a gordura corporal, diminui as hipóteses de uma criança desenvolver diabetes e aumenta a força muscular, óssea e articular, entre outros benefícios. E os pais poderão até descobrir que conseguir que os seus filhos se mexam melhora a dinâmica familiar.

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Annie Spratt/Unsplash

Alhassan, mãe de gémeos de cinco anos, nota que os seus dois filhos tendem a discutir mais quando não têm tempo ao ar livre. “Há muita investigação que explica o impacto da actividade física sobre o comportamento antes dos ‘tempos covid’”, diz. “As crianças a quem é permitido ter actividades físicas durante o tempo lectivo têm um comportamento melhor nas aulas, aprendem melhor, são menos hiperactivas. Agora, que [nos EUA] estamos presos dentro de casa, vai haver mais mudanças de humor, mais discussões.”

Fazer pranchas ou procurar tesouros

O exercício pode não só reduzir as quezílias; pode também ajudar no desempenho académico das crianças.Sabemos que a actividade é boa não só para o bem-estar físico, mas também para a saúde mental, concentração e atenção”, diz Korin Hudson, médica de medicina desportiva e de urgências que ensina na escola de Georgetown e tem consultório médico em McLean, no estado da Virgínia. “Para as crianças com Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção (PHDA), a actividade física é realmente crucial para ajudar a manter o foco; manter-se concentrado no ecrã, onde as crianças passam tanto tempo, tende a ser ainda mais difícil.” A maioria das famílias não tem acesso a um parque infantil, mas mesmo alguns minutos de passeio podem ajudar, defende Korin Hudson.

E proporcionar oportunidades de movimento não tem de envolver equipamento de exercício dispendioso ou ainda mais tempo à frente do ecrã. A médica Korin Hudson sugere arranjar-se um frasco para tirar dicas ao calhas. Isto funciona assim: escreve-se os exercícios — dez burpees, 20 polichinelos (exercícios para alongar e aquecer os músculos dos braços e pernas) ou manter a posição de prancha por 30 segundos, por exemplo — em pequenos pedaços de papel e coloca-se todos num jarro. Depois, cada membro da família (pais incluídos...) deve tirar um pedaço de papel e fazer o movimento indicado.

Outra sugestão, a pensar nas famílias que não têm espaço ao ar livre ou que não são conseguem levar os seus filhos para fora de casa, passa por transformar as tarefas domésticas comuns em jogos. “Pergunte às crianças: ‘O que podem fazer para se sentirem bem? Podem ajudar-me a dobrar a roupa e depois dar um salto muito alto?”

As crianças podem também incorporar a actividade física directamente na sua aprendizagem. Adrien McDonald, director desportivo na Escola McLean, em Potomac, no estado de Maryland, sugere que as crianças tentem marcar cestos enquanto soletram as palavras. Podem fazer agachamentos na sua secretária, esticar-se enquanto lêem um livro ou substituir um fidget spinner por um peso de meio quilo. (Não tem um peso? Experimente uma lata de feijão).

Outra opção: envie os seus filhos numa caça ao tesouro para encontrar artigos em casa. “Pode ser: ‘traz-me algo amarelo’ ou ‘vai buscar a tua fotografia preferida’”, exemplifica McDonald. Ou pedir-lhes que corram para recolher objectos cujos nomes comecem por uma certa letra do alfabeto. Depois, façam uma competição para ver a rapidez com que conseguem guardar todos os tesouros encontrados.

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Anna Earl/Unsplash

Transformar partes da casa num parque infantil funcionou para Danielle e André Bierzynski, que vivem em Washington com as suas duas filhas, de 6 e 2 anos. André construiu percursos de obstáculos a partir de almofadas para a sua filha mais nova. “Mesmo que seja só subir e descer as escadas, é bom para ela; e é exercício”, refere o pai.

Embora a escola paroquial da sua filha mais velha tenha retomado as aulas presenciais, a família optou por manter a sua aprendizagem em casa, o que significa que ambos os pais estão a trabalhar ao mesmo tempo que tentam manter as suas filhas ocupadas. Quando não podem fazer caminhadas, os Bierzynskis usam vídeos de ioga, um pequeno trampolim e um cesto de basquetebol para manter as raparigas em movimento.

A filha mais velha de Bierzynskis também tem um rastreador de fitness que foi criado para crianças. “Tornou-se uma espécie de competição; ela própria está a monitorizá-lo, e até corre em círculos ou sobe e desce as escadas para atingir os seus objectivos”, conta Danielle. Ela e o marido também descobriram que as suas filhas se dão conta quando eles fazem exercício, na pedaleira que têm. “Os miúdos percebem quando estamos a dedicar tempo ao exercício (…). Isso motiva-as”, diz André.

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Explorar a casa pode ser um exercício para os mais pequenos Brina Blum/Unsplash

Ouvir os mais novos

Ser um modelo a seguir pode não só encorajar as crianças a praticar exercício, mas também estimulá-las a fazer coisas que nunca tentaram antes. Francine Delgado-Lugo vive no bairro de Brooklyn, em Nova Iorque, onde é co-proprietária de um ginásio. Após o início da pandemia, ela e os seus sócios começaram a fazer vídeos de fitness para os seus clientes. O filho de Francine, Malachi, então com 9 anos, acabou por fazer o seu próprio conjunto de vídeos, filmados no estúdio de fitness da mãe, para partilhar com os seus colegas de escola. “Foi uma excelente actividade para ele”, recorda a mãe. “Escreveu as notas, narrou o vídeo e demonstrou os movimentos, e eu fi-lo ao seu lado”. Alguns movimentos, tais como agachamentos e afundanços, eram coisas que Malachi tinha visto a sua mãe fazer no ginásio, e outros coisas que ele sentiu que as crianças iriam querer fazer. “Encontrámos uma forma de fomentar a criatividade e o movimento juntos”, diz a personal trainer. “Foi muito divertido”.

É crucial manter esse compromisso com as crianças, diz o director desportivo da Escola McLean, Adrien McDonald. “Quando [as crianças] sentem que a sua voz está a ser ouvida, o exercício torna-se uma experiência mais agradável.” Até porque, se não for divertido, as crianças podem tentar escapar à sua realização, especialmente na privacidade das suas próprias casas, sem o encorajamento e companhia dos seus pares, e com o botão “stop vídeo” a acenar no seu portátil ou tablet.

Em alguns casos, o desenvolvimento da motivação intrínseca pode exigir alguma ajuda parental. Por exemplo, se um pai quiser levar uma criança a passear, pode dizer que ela pode escolher um local para almoçar depois, sugere Nicksic. “A esperança é que a criança se divirta” para que, numa próxima vez, queira ir de forma espontânea.

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