Açores: a abstenção tradicionalmente elevada é (só) culpa dos políticos?

Descida da abstenção nestas eleições surge depois do recorde registados nas europeias do ano passado, quando apenas 20% dos inscritos votaram. Problema da escassa participação preocupa políticos e é objecto de estudos.

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Ponta Delgada Paulo Pimenta

Quando o tema são eleições nos Açores, há praticamente duas certezas: uma é a vitória (mais ou menos confortável) do PS, que governa o arquipélago desde 1996; outra é a elevada taxa de abstenção, que tem sido sucessivamente a mais alta do país. É por isso que a notícia de um recuo da abstenção nos Açores nestas eleições regionais (52% a 58%) face às de 2016 (59,2%) e aos vários actos eleitorais realizados desde então é uma surpresa positiva.

No ano passado, a fraca participação eleitoral na região autónoma bateu recordes. Nas europeias de Maio, 81,29% dos eleitores inscritos nos cadernos eleitorais do arquipélago não votaram (na Madeira, a abstenção foi de 61,46%, abaixo do global nacional, 69,27%). Em Outubro, nas legislativas nacionais, novo máximo: 63,50% dos açorianos não votaram, numas eleições em que a abstenção rondou os 50% na Madeira e 45,50% no total nacional.

O problema é antigo, e tem sido uma preocupação constante entre a classe política açoriana. Vasco Cordeiro, o presidente do governo açoriano e líder local do PS, reservou a parte final da intervenção no Dia dos Açores do ano passado, precisamente para falar sobre a abstenção. Cordeiro defendeu novas abordagens para contrariar a tendência crescente dos abstencionistas. Uma delas passa por valorizar socialmente os cidadãos que votam.

A ideia, explicou, não passa por instituir o voto obrigatório ou penalizar quem não vota, mas sim premiar os cidadãos que tenham um historial de participação eleitoral, através de descontos ou isenções em serviços do Estado, como a renovação de documentos, propinas no ensino superior e outros benefícios.

“Entendemos também que se torna necessário ir mais longe, porventura mais longe até do que as possibilidades constitucionais e estatutárias de intervenção da região”, admitiu na altura Vasco Cordeiro, convidando toda a sociedade para uma “reflexão” em torno da abstenção.

O parlamento açoriano encomendou um estudo à Universidade dos Açores sobre as causas das elevadas taxas de abstenção na região autónoma. O trabalho, realizado em 2018, e coordenado pelo sociólogo Álvaro Borralho, foi desenvolvido pelo Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da universidade açoriano, debruçou-se sobre a abstenção eleitoral em todos as eleições realizadas entre 1975 e 2017 no arquipélago.

O ponto de partida do estudo foi um questionário em que os inquiridos (uma amostra representativa da população) não tiveram dúvidas em apontar como principais responsáveis pela crescente abstenção, o governo regional (88,8%), os deputados (88,2%) e os partidos (85,5%). As pessoas (68,3%) e as dificuldades quotidianas (58,8%) surgem bem atrás nos resultados do estudo, que recomenda um reforço nas políticas públicas dedicadas à participação dos cidadãos, como caminho para combater a abstenção.

Cordeiro, que fala de um “problema sistémico” para o qual alertou em 2014 e 2016, também no discurso oficial do Dia dos Açores, diz que é necessário combater também a “abstenção técnica”, actualizando os cadernos eleitorais, e rejeita uma “visão maniqueísta” do problema, em que apenas os políticos são responsáveis pela fraca participação eleitoral.

Mas a verdade é que a abstenção nos últimos anos no arquipélago tem sido avassaladora. Em 2017, nas autárquicas, foi de 46,55%; nas regionais do ano anterior foram de 59,16% e nas presidenciais desse mesmo ano ficaram nos 69,08%.

É preciso recuar até 2004 para encontrar uma participação eleitoral superior a 50% numas eleições regionais açorianas. Ou até 1999, para reportar uma taxa de abstenção inferior a metade dos eleitores inscritos em eleições legislativas: 49,74%.

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