Facções rivais na Líbia chegam a acordo para cessar-fogo imediato

“Passo fundamental em direcção à paz e à estabilidade” ou “apenas tinta no papel”? Cessar-fogo prevê que combatentes estrangeiros abandonem a Líbia nos próximos três meses e a reabertura de rotas áreas e terrestres.

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Acordo foi assinado em Genebra por delegações dos dois lados do conflito EPA/FABRICE COFFRINI / POOL
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Tropas leiais ao Governo de Fayez al-Sarraj em Trípoli Reuters/Ayman Al-Sahili

As duas principais facções que disputam o poder na Líbia acordaram esta sexta-feira, sob a égide das Nações Unidas, um cessar-fogo imediato no país, embrenhado no caos desde a queda de Muammar Khadafi, em 2011, com as sucessivas tentativas de paz a falharem redondamente.

O acordo foi assinado em Genebra, após uma semana de longas negociações que contaram com a participação de delegados do Governo de Acordo Nacional (GAN), sedeado em Trípoli e liderado por Fayez al-Sarraj, reconhecido internacionalmente, e o Exército Nacional Líbio (ENL), do marechal Khalifa Haftar, com base no Leste do país.

“Hoje é um bom dia para o povo líbio”, afirmou Stephanie Williams, enviada especial da ONU para a Líbia. “Por vezes, o caminho foi longo e difícil. Vocês seguiram o caminho do patriotismo e conseguiram alcançar um acordo de cessar-fogo. Este é um momento que ficará na história”, congratulou-se.

Para simbolizar o acordo – considerado pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, como um “passo fundamental em direcção à paz e à estabilidade" , esta sexta-feira realizou-se um voo comercial entre Trípoli e Benghazi, a primeira vez que tal acontece em mais de um ano.

O cessar-fogo, que abrange todo o território líbio, prevê que os combatentes estrangeiros abandonem o país nos próximos três meses, a reabertura de rotas áreas e terrestres, a troca de prisioneiros entre as duas partes e a reabertura de campos de petróleo, que têm estado sob bloqueio, levando a cortes de energia e enormes perdas para o país em exportações de petróleo.

As duas facções reúnem-se novamente daqui a um mês, na Tunísia, e um dos objectivos passa por reintegrar as forças armadas, dividas pelos dois lados do conflito, numa organização única.

A União Europeia, que acompanha o conflito líbio com preocupação, tendo em conta que o país africano é um dos principais pontos de passagem para a entrada de migrantes na Europa, viu com bons olhos o cessar-fogo anunciado. 

“O anúncio de um amplo e permanente cessar-fogo na Líbia, com efeitos imediatos após complexas negociações, é uma notícia muito bem-vinda”, disse Josep Borrell, chefe da diplomacia europeia. “É também um passo crucial para a retoma das negociações políticas e esperemos que um ponto de viragem na crise líbia”, acrescentou.

O entusiasmo da ONU e da UE, contudo, contrasta com as reticências dos líbios, que já viram acordos semelhantes falharem repetidamente no passado, levando mesmo a que o anterior enviado especial da ONU, Ghassan Salame, abandonasse o cargo em Março.

“Todos queremos acabar com a guerra e a destruição. Mas, pessoalmente, não confio naqueles que estão no poder. No ano passado, estávamos à beira de negociações para acabar com as divisões, e então a guerra estoirou”, disse à Reuters Kamal al-Mazoughi, um comerciante de 53 anos que vive em Trípoli.

“Se não houver forças ou mecanismos para aplicar [o cessar-fogo] no terreno, será apenas tinta no papel”, advertiu Ahmed Ali, 47 anos, residente em Benghazi.

“Falta credibilidade”

Um indício das dificuldades de que o acordo terá pela frente veio poucas horas depois por parte da Turquia, principal aliado do GAN de Fayez al-Sarraj, com o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, a duvidar da viabilidade do acordo.

“O cessar-fogo não foi assinado ao mais alto nível, mas sim a um nível inferior. O tempo dirá quanto tempo vai durar”, disse Erdogan, citado pela Al-Jazeera. “Parece-me que lhe falta credibilidade, não parece alcançável”, acrescentou.

Em auxílio do Governo líbio, Ancara passou a intervir directamente no conflito, enviando mercenários sírios, equipamentos e conselheiros militares. Já o marechal Khalifa Haftar conta com o apoio de Emirados Árabes Unidos, Rússia e Egipto. A ONU tem apelado aos países envolvidos no conflito para que deixem de interferir na Líbia e tem denunciado constantes violações ao embargo de armas.

Apesar de Haftar continuar a liderar uma poderosa coligação militar, que conta com mercenários russos e armamento enviado pelos Emirados, tem vindo a perder posição nos últimos meses, principalmente após a pesada derrota sofrida em Trípoli em Junho, quando se viu obrigado a retirar as suas tropas após 14 meses de uma ofensiva para tentar conquistar a capital.

A história recente da Líbia tem sido marcada por acordos falhados, no entanto, a enviada especial da ONU acredita que desta vez pode ser diferente. “Não podemos deixar os cínicos vencerem. Se após esta longa crise foi possível uma reconciliação, então devemos dar o nosso apoio”, reiterou Stephanie Williams.

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