Estudo confirma que conjunto de medidas reduz mais o R do que medidas isoladas

Investigação estimou o efeito de medidas por si só e de quatro combinações de medidas no número de reprodução 28 dias depois da sua introdução ou levantamento.

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Nelson Garrido

Análises a medidas de contenção de 131 países – incluindo Portugal – tomadas a propósito da pandemia de covid-19 confirmam que a combinação de medidas reduzirá mais o número de reprodução (R) do que medidas isoladas. Ao estudarem-se diferentes combinações de medidas, viu-se que com um pacote menos abrangente dessas medidas o R baixava 29% 28 dias depois de ter sido posto em prática. Mas, se o pacote de medidas fosse mais abrangente, a redução era de 52%.

O R tem sido um indicador usado para se perceber a forma como a pandemia está a evoluir. Resumindo, indica o número médio de pessoas que são contagiadas por cada pessoa infectada com o vírus. Na evolução da pandemia, os cientistas vão fazendo actualização periódicas do valor do R, que designam de Rt (número de reprodução efectivo em função do tempo). Este valor é crucial para se entender o efeito das medidas de contenção ao longo da pandemia e poder assim adequá-las. O R acima de 1 indica que um surto está a crescer e abaixo de 1 que está a baixar. 

Entre 12 e 16 de Outubro, a média nacional do Rt foi de 1,26, revelou a ministra da Saúde, Marta Temido, no final da reunião de Conselho de Ministros desta quinta-feira. A região Centro foi a região com o risco efectivo de transmissão mais elevado do país, com um Rt de 1,38, de acordo com a ministra da Saúde.

O estudo publicado esta quinta-feira na revista científica The Lancet Infectious Diseases estimou o efeito de medidas isoladas e de quatro combinações de medidas de contenção no R após 28 dias da sua introdução ou levantamento. A investigação incluiu medidas de 131 países postas em prática entre 1 de Janeiro e 20 de Julho.

Vejamos primeiro o impacto da introdução de cinco medidas individuais no R. Em todas elas houve uma tendência de redução 28 dias após a sua introdução: em média, houve uma diminuição de 24% no R devido à proibição de eventos públicos; 15% no fecho das escolas; 13% no encerramento dos locais de trabalho; 7% nas limitações dos movimentos internos; e 3% no dever de ficar em casa.

Mas as quatro combinações de medidas estão associadas a reduções ainda maiores no R. No pacote menos abrangente (proibição de eventos públicos e reuniões com menos de dez pessoas) houve uma diminuição de 29% após 28 dias de ser sido posto em prática. No segundo pacote (encerramento dos locais de trabalho, proibição de eventos públicos e de reuniões com menos de dez pessoas) a redução foi de 38%. No terceiro pacote (fecho de escolas, proibição de eventos públicos e reuniões de menos de dez pessoas) o valor baixou 42%. Por fim, no quarto pacote (fecho de escolas, proibição de eventos públicos e de reuniões com menos de dez pessoas, limites às movimentações internas e o dever de ficar em casa) existiu uma diminuição de 52%.

Efeito não imediato

A equipa também verificou que o efeito na introdução das medidas não foi imediato e que foram necessários cerca de oito dias para se verificar uma diminuição no R. Também o levantamento das medidas não era imediato e eram precisos 17 dias para terem impacto no R.

Precisamente ao olharem para o impacto do levantamento das medidas, verificou-se que havia uma tendência do aumento do R depois de 28 dias desse levantamento: existiu uma subida de 25% no R durante o levantamento da proibição de reuniões com mais de dez pessoas; 24% no fecho das escolas, 21% na proibição de eventos públicos; 13% nas limitações às movimentações internas; e 11% nos pedidos para que se fique em casa. Como se pode notar, o aumento foi mais significativo no fecho das escolas e na proibição de reuniões com mais de dez pessoas.

Num comunicado sobre o trabalho, a equipa realça que se consideraram essas medidas de intervenção, mas que não se integraram no estudo outros factores que poderiam ter influência no R como o cumprimento dessas medidas, mudanças no comportamento da população (por exemplo, o uso de máscaras), as diferenças do R no mesmo país ou dos efeitos do rastreamento e do isolamento.

“Os resultados poderão informar [os governos] sobre quais as medidas que devem ser introduzidas ou levantadas, bem quando se pode esperar ver os seus efeitos”, nota You Li, investigador do Centro para a Investigação de Saúde Global da Universidade de Edimburgo e primeiro autor do artigo. “Embora essas decisões possam depender do contexto do local – o número R num dado momento, a capacidade do sistema de saúde e do impacto social e económico das medidas.”

O investigador confirma que foram usados dados de Portugal nesta análise. “Contudo, não pretendemos tirar conclusões separadas para cada país e os nossos resultados devem ser analisados no conjunto de todos os dados”, refere quando questionado sobre os detalhes dos resultados em Portugal. “Não tivemos nenhum resultado em concreto só para Portugal.”

“Mostramos que a combinação de diferentes medidas tem um grande efeito na redução da transmissão da covid-19”, assinala Harish Nair, também da Universidade de Edimburgo e autor do trabalho. “À medida que vamos vendo o ressurgimento do vírus, os decisores políticos têm de considerar combinações de medidas para reduzir o R.” Num comentário também na The Lancet Infectious Diseases, Chris Bauch, da Universidade de Waterloo (no Canadá) e que não fez parte do trabalho, considera: “Apesar das imperfeições do R, os resultados da equipa dizem-nos que as NPI [medidas não farmacológicas] funcionam e quais são as melhores. Esta informação é crucial, tendo em conta os efeitos socioeconómicos maciços”.

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