De que políticas agrícolas precisamos?

A defesa da agricultura nacional implicaria uma mudança radical de rumo nas políticas europeias. É isto que temos defendido e não desperdiçámos esta oportunidade para o reafirmar.

Na passada sexta-feira, Dia Mundial da Alimentação, agricultores portugueses manifestaram-se em Lisboa, exigindo outras políticas para a agricultura nacional.

As políticas agrícolas nacionais têm subestimado e adulterado o uso da terra, nomeadamente a sua função social. O resultado está à vista: as áreas do grande agronegócio, designadamente com recurso à produção superintensiva (olival, amendoal), continuam a alastrar por todo o país, com consequências graves no território e na exploração de mão-de-obra; enfrentam-se dificuldades sérias em áreas essenciais como a produção leiteira, com dezenas de explorações a encerrar, ou a produção vitícola, também ameaçada pela liberalização progressiva dos direitos de plantio; a ausência de regulamentação do Estatuto da Agricultura Familiar impede o acesso a novos apoios, que são essenciais para os pequenos e médios agricultores, e a protecção social das mulheres agricultoras; os grandes e graves incêndios florestais (particularmente em 2017) expuseram as consequências da política de direita na floresta portuguesa e no mundo rural, votados ao abandono e à dinâmica de um suposto mercado controlado pelos grupos económicos que promovem a monocultura silvo-industrial e impedem a gestão activa da floresta pelos seus pequenos e médios proprietários; e a ausência de uma estratégia nacional para a soberania alimentar continua a suscitar crises em diversos sectores e mantém o país absolutamente dependente do estrangeiro, principalmente nos cereais.

Esta semana, discute-se no Parlamento Europeu (PE) mais uma reforma da Política Agrícola Comum (PAC), proposta pela Comissão Europeia, em junho de 2018. Mais de dois anos passados, a PAC foi chamada repentinamente à agenda, sem anúncio nem aviso antecipado, com o óbvio objectivo de colocar os deputados perante prazos e crises, para que qualquer proposta se tornasse aceitável. Mas não é!

Os textos apresentados estão longe de dar resposta aos problemas dos agricultores portugueses: porque não enfrentam as desigualdades existentes na distribuição das ajudas entre países, produções e produtores; não atacam os baixos preços à produção ou os baixos rendimentos de produtores; não apresentam quaisquer medidas de combate aos abusos e práticas desleais, designadamente ao dumping de produtos agrícolas; não têm como ponto de partida a defesa da soberania alimentar.

Em consequência disto, continuarão a afastar a integração de jovens e novos agricultores, ao contrário do que é proclamado, e a dificultar o trabalho das mulheres agricultoras; acentuarão a concentração de terra, estimulada em parte pela má distribuição das ajudas; promoverão o agronegócio e levarão à ruína mais pequenos e médios agricultores e a agricultura familiar.

A defesa da agricultura nacional implicaria uma mudança radical de rumo nas políticas europeias. Em primeiro lugar, teria de passar pela implementação de políticas que defendam a segurança e soberania alimentar dos Estados-membros (EM), permitindo-lhes desenvolver a sua produção de forma a satisfazerem as suas necessidades. Obviamente, isso só seria possível com a reposição dos instrumentos públicos de regulação dos mercados. Para fazer face ao impacto de fenómenos meteorológicos extremos ou a situações de catástrofe, seria necessária a criação de um Seguro Agrícola Público, financiado pelo orçamento da União Europeia, conferindo um nível de protecção mínimo a todos os agricultores. Em terceiro lugar, cada EM deveria poder adoptar formas de intervenção na cadeia de abastecimento, sempre que se verificar a existência de graves desequilíbrios, como a fixação de margens máximas de intermediação, de forma a promover uma justa e adequada distribuição do valor acrescentado ao longo da cadeia de abastecimento alimentar. Em quarto lugar, seria fundamental salvaguardar o direito de cada EM a aplicar o princípio da preferência nacional, utilizando, por exemplo, um sistema de quotas de produção nacional, passando as importações a ter um carácter supletivo da produção nacional. E, por último, consideramos que é através da defesa incondicional da pequena e média agricultura e da agricultura familiar que se promove um modelo de produção de qualidade e sustentável, capaz de assegurar coesão social e territorial, apoiando mais as explorações de menor dimensão, com apoios redistributivos, garantindo o seu plafonamento.

É isto que temos defendido e não desperdiçámos esta oportunidade para o reafirmar.

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