Estados Unidos vão retirar Sudão da lista de países apoiantes do terrorismo

Em troca, Cartum paga 335 milhões de dólares aos familiares e às vítimas de ataques terroristas às embaixadas norte-americanas na Tanzânia e no Quénia, em 1998, e ao navio USS Cole, no Iémen, em 2000.

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Protestos em Cartum por reformas políticas, em Agosto Reuters/Mohamed Nureldin Abdallah

Após vários meses de negociações, os Estados Unidos preparam-se para retirar o Sudão da lista dos países apoiantes do terrorismo, uma acção que pode impulsionar a normalização das relações do Sudão com Israel e ajudar o país africano a recuperar da grave crise económica que enfrenta.

O anúncio foi feito na segunda-feira, de forma inesperada, por um tweet do Presidente norte-americano, Donald Trump, que comunicou que Cartum seria retirado da lista assim que fossem pagas indemnizações às famílias das vítimas de ataques terroristas atribuídos a grupos jihadistas, que terão contado com o apoio do Sudão.

“Boas notícias! O novo Governo do Sudão, que está a fazer grandes progressos, concordou pagar 335 milhões de dólares às vítimas americanas e seus familiares alvo de terrorismo”, escreveu Trump no Twitter. “Assim que for depositado, retirarei o Sudão da lista de estados apoiantes do terrorismo”, reiterou.

Esta terça-feira, o governador do Banco Central sudanês, Mohamed al-Fatih Zainelabidine, disse que a transferência já tinha sido feita e revelou que os bancos do país vão dar início aos procedimentos que permitem restaurar as relações externas na próxima semana. 

Os Estados Unidos classificaram o Sudão como estado patrocinador do terrorismo em 1993, quatro anos após Omar al-Bashir ter chegado ao poder, através de um golpe militar, acusando o país de apoiar o terrorismo islâmico e dar refúgio ao então líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden.

Nos anos seguintes, Washington acusou Cartum de fornecer apoio logístico e financeiro à Al-Qaeda e de ter ajudado nos bombardeamentos às embaixadas norte-americanas em Dar es Salaam, na Tanzânia, e em Nairobi, no Quénia, em 1998. Os Estados Unidos responsabilizaram ainda o Governo de al-Bashir pelo atentado contra o navio USS Cole, no porto de Áden, no Iémen, em 2000.

Desde então, o Sudão tem sido considerado um estado pária pelos Estados Unidos, o que tem limitado o seu apoio internacional. O anúncio de Trump foi, por isso, recebido com grande entusiasmo pelo primeiro-ministro sudanês, Abdalla Hamdok.

“Muito obrigado, Presidente Trump! Aguardamos com grande expectativa a notificação oficial do Congresso revogando a designação do Sudão como estado patrocinador do terrorismo, que tantos custos trouxe ao país”, escreveu Hamdok.

O líder do Governo transitório acrescentou ainda que o tweet de Trump e a notificação da Câmara dos Representantes dos EUA, que ainda tem de votar favoravelmente a medida, “são o maior apoio à transição do Sudão para a democracia e ao povo sudanês”, acabando com “um pesado legado do defunto regime anterior”.

Aproximação a Israel

As negociações entre Washington e Cartum duram há vários meses e, a confirmar-se o anúncio de Trump, a retirada do Sudão dos países apoiantes de terrorismo abre a porta a que o país africano normalize as relações diplomáticas com Israel, uma intenção que já tinha manifestado, seguindo-se ao que fizeram os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein.

Em Agosto, Cartum anunciou que estava a negociar a normalização de relações com Telavive, mas as negociações não chegaram a bom porto. No entanto, fonte oficial sudanesa disse à Al-Jazeera, sob anonimato, que um acordo não está descartado e que existem esforços para que o Sudão se junte aos países árabes que recentemente reconheceram Israel.

Apesar de não referir Israel, o anúncio de Trump está também a ser encarado como uma forma de o Presidente norte-americano obter ganhos com uma aproximação entre Cartum e Telavive, uma vitória diplomática a apenas duas semanas das eleições presidenciais.

Recuperar investimento

Ao deixar de ser considerado um estado patrocinador do terrorismo, o Sudão ganha fôlego para conseguir recuperar da profunda crise económica que atravessa. Esta terça-feira, o Governo anunciou que os Estados Unidos e outros países já manifestaram disponibilidade para disponibilizar pacotes de ajuda financeira, um primeiro passo importante para o país. 

​Além de constar desta “lista negra”, que tem afastado os investidores do país, o Sudão é alvo de rigorosas sanções económicas e comerciais, que só foram levantadas ligeiramente em Janeiro de 2017, nas últimas semanas de Barack Obama na presidência dos Estados Unidos.

Sem possibilidade de exportar e com uma moeda fraca, o país enfrenta uma forte inflação, que em Setembro atingiu os 212% do PIB, superior aos 166% verificados em igual período do ano passado. Um quarto da população do país passa fome, e o Governo transitório, que deverá permanecer à frente do país até novas eleições em 2022, já avisou que está sem dinheiro para pagar os fornecimentos de trigo, medicamentos e combustível.

 A retirada do país da lista dos países que apoiam o terrorismo, diz a Al-Jazeera, permite que o país alivie as suas dívidas ao Fundo Monetário Internacional e à Iniciativa Reforçada para os Países Pobres Muito Endividados (HIPC), do Banco Mundial, e abre caminho ao necessário investimento estrangeiro.

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