Dores de costas? Endireita-te, os jovens são “cada vez mais um grupo de risco”

Cerca de 80% da população mundial já sofreu, sofre ou sofrerá de problemas de costas — jovens incluídos, que estão “mais propensos” a ter dores. Especialistas avisam: o estilo de vida actual é perigoso e nocivo para a coluna. E aproveitam para alertar para a importância da prevenção desde cedo.

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O sedentarismo é o principal factor de risco para o aparecimento de dores de costas Paulo Pimenta

Quantas vezes te doeram as costas no último mês? E na última semana? Há uma grande probabilidade de que quem esteja a ler este artigo já tenha deitado a mão ao fundo das costas, após várias horas de trabalho passadas no computador ou depois de pegar em cargas pesadas. Segundo indicam dados da Organização Mundial de Saúde e do estudo de saúde mundial Global Burden of Disease, agora publicado na revista The Lancet, cerca de 80% da população mundial já sofreu, sofre actualmente ou vai sofrer um dia de algum tipo de dores de costas e as patologias da coluna são o principal motivo para faltas ao trabalho no mundo.

Esta sexta-feira, 16 de Outubro, assinala-se o Dia Mundial da Coluna, um dia usado por médicos de várias áreas para alertar para os cuidados a ter com a coluna. E apesar de não ser claro se os jovens adultos sofrem mais das costas do que a geração dos seus pais (sendo que a faixa etária entre os 20 e os 50 anos é a que sofre mais com lombalgias), existe um consenso entre os especialistas de saúde: o estilo de vida actual é perigoso e nocivo para as nossas costas e a nossa coluna e pode ter consequências no futuro.

“Existe cada vez mais uma sociedade com menos actividade física, com maior peso e mais obesidade. Os jovens são mais obesos do que os seus pais, mais sedentários e a utilização de novas tecnologias, como smartphones e computadores, contribuem para as dores das costas”, diz Luís Cunha Miranda, presidente da Sociedade Portuguesa de Reumatologia (SPR), em entrevista ao P3.

Promover exercício para aliviar as dores

A grande causa para as dores de costas é o sedentarismo: as pessoas trabalham cada vez mais tempo sentadas e em frente ao computador. O teletrabalho, potenciado pela pandemia, também contribuiu para o aumento destes factores de risco. Sofia Leonor, advogada estagiária de 25 anos, identifica-se com esta descrição. Nos últimos anos, diz, a sua vida resume-se “a estar sentada”. “Sinto dores de costas contínuas; uma pessoa senta-se em frente à secretária e, passado algum tempo, já começa a doer.”

Para os especialistas, o Dia Mundial da Coluna é importante para prevenir estas situações, consciencializando pessoas, políticos e empresas para terem mais atenção às dores de costas e lutarem contra o trabalho mais parado.

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Sofia Leonor, de Famalicão, diz que já foi ao hospital para procurar saber se tinha problemas de costas mais graves DR

Miguel Casimiro, presidente da Sociedade Portuguesa da Patologia de Coluna Vertebral (SPPCV), sublinha que “a patologia da coluna é a que condiciona uma maior taxa de abstenção laboral, com custos individuais e para a sociedade”. “Por isso, é importante chamar a atenção para que cuidemos da nossa coluna, para que tentemos prevenir os problemas e reduzir este peso na qualidade de vida de todos nós”, diz o neurocirurgião. 

Com o mesmo propósito, foi criada há 11 anos no Facebook a campanha Olhe Pelas Suas Costas, que procura incentivar as pessoas a melhorar a sua postura, promovendo ainda actividades em escolas e universidades seniores. “O grande objectivo é não só sensibilizar a população para que este problema é uma enorme causa de incapacidade e que tem um impacto económico para todos nós, mas também passar a mensagem da prevenção. Se tivermos cuidado com a nossa postura e se fizermos exercício regularmente, vamos ter muito mais qualidade de vida”, incentiva Bruno Santiago, neurocirurgião e coordenador da campanha.

Teletrabalho com muitas pausas e melhores cadeiras

Em Março, uma grande parte do país entrou em confinamento e foi obrigada a aderir ao teletrabalho, trocando as cadeiras ergonómicas e os grandes monitores pelas cadeiras da sala de jantar e os portáteis.

Ao P3, o presidente da Associação Portuguesa de Fisioterapia (APF), Adérito Seixas, diz que não registou um aumento significativo de pessoas a queixarem-se das costas entre Abril e Maio, mas o regime de teletrabalho pode ter piorado a situação de quem já tinha dores. “Sabemos que muitas pessoas começaram a trabalhar em regime de teletrabalho, o que contribuiu para que passassem mais tempo a trabalhar sentadas”, diz o fisioterapeuta.

Diogo Coelho, bancário de 33 anos, começou a ter dores de costas precisamente quando passou a regime de teletrabalho. Admite que não comprou uma cadeira ergonómica mais cedo porque não sabia quanto tempo iria durar a quarentena; começou a sentir dores, geralmente sempre pela hora de almoço, que não passaram mesmo depois da compra de uma nova cadeira. “O estrago já está feito...”, confessa.

“Numa fase inicial, comecei a trabalhar nas cadeiras da sala de jantar. E dava por mim muitas vezes muito mal sentado. São realmente muitas horas seguidas ao computador, apesar de uma pessoa se tentar levantar, mas muitas vezes nem sequer se lembra”, afirma o jovem, natural de Queluz.

Luís Cunha Miranda defende, por isso, que “o teletrabalho tem de ser altamente legislado por causa de questões a nível de saúde”. “Cada vez mais nos apercebemos de que as pessoas vão para casa, mas não têm as mesmas condições em termos práticos e isso aumenta o stress que existe dentro da coluna e nas estruturas da coluna, com aumentos de queixas, mas também a nível dos ombros”, diz o presidente da SPR.

As horas passadas em frente ao computador, sem pausas, são o principal ponto de preocupação dos especialistas, que recomendam mais pausas, mais frequentes, que permitam às pessoas espairecer e não desgastar tanto as costas. “As pessoas devem disciplinar-se para que, de hora a hora, façam pequenas pausas para tentar colmatar o facto de se estar a trabalhar em casa e em posições que não são totalmente aconselháveis”, aconselha o presidente da SPPCV.

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Diogo diz que ia ao ginásio para combater o desgaste na coluna durante o trabalho, mas o confinamento estragou esses planos DR

Já o presidente da Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia (SPOT), Guimarães Consciência, aconselha a que se façam pausas de meia em meia hora, pois isso “já ultrapassa as limitações que possam estar associadas a essa insuficiente mobilização.” No entanto, tal nem sempre é possível. Margarida Martins, de 29 anos, passa entre oito e dez horas por dia em frente ao computador e tenta fazer uma pausa de manhã e uma pausa à tarde”. “Mas é impossível fazer paragens de meia em meia hora, até porque quebra bastante o ritmo de trabalho”, lamenta a jovem de Lisboa, que trabalha em logística.

Jovens sofrem sentados e desde que vão para a escola

Uma das principais ocupações que pressupõe, desde tenra idade, longas horas em frente ao computador e aos livros, com o pescoço curvado e as costas em posições irregulares, é o estudo.

Estudantes por todo o país sofrem todos os anos de dores de costas, depois de longos períodos de estudo intensivo, especialmente na universidade. “Se pensarmos nos jovens no ensino superior, eles passam bastante tempo a estudar (se bem que também têm actividades físicas ou desportivas), mas esse tempo a estudar acaba por ser motivo para sentirem algum tipo de dor”, diz Adérito Seixas, da APF.

Luís Cunha Miranda concorda e alerta que “os jovens são mais propensos a ter alguma dessas doenças, também por causa das novas tecnologias e da utilização dos smartphones durante um grande número de horas”, pelo que o presidente da SPR considera que os jovens adultos “não deixam de ser cada vez mais um grupo de risco”.

Tentando contrariar essa tendência está Rita Silva, de 22 anos. Estudou Enfermagem e trabalhou em restauração, o que a obrigou não só a estudar durante muito tempo sentada, mas também a trabalhar muito tempo de pé. Sofre de dores de costas há vários anos, por isso já fez fisioterapia e foi medicada com relaxantes musculares.

A solução foi, precisamente, fazer exercício e mudar de estilo de vida. “Neste momento, já não faço fisioterapia nem medicação porque descobri uma coisa bastante melhor: comecei a fazer crossfit há dois ou três meses; no primeiro mês, custou um bocadinho, mas estou muito melhor das costas”, garante a jovem de Aveiro.

O presidente da SPPCV tem algumas reservas sobre se os jovens actualmente sofrem mais ou não das costas do que a geração dos seus pais. Até porque as anteriores tinham outras condicionantes. “Tivemos gerações anteriores à nossa em que houve uma sobrecarga maior a nível do trabalho juvenil e infantil, porque as crianças eram sujeitas desde muito cedo a grandes esforços”, afirma Miguel Casimiro.

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Estudantes cimentam uma má postura desde cedo ao estudarem continuamente durante várias horas Paulo Pimenta

Ainda assim, hoje em dia o desgaste na coluna pode nem começar apenas com o ensino superior. Basta pensar no peso das mochilas que levávamos para a escola. “Não é correcto permitir que crianças muito novas transportem um peso incrível. Tenho muita dificuldade em perceber como é que ainda não se conseguiu transformar para a via digital a quantidade de livros que as crianças têm de transportar”, critica Guimarães Consciência, da SPOT.

Serviços parados para receber queixas

Mudar o estado das costas dos portugueses é difícil, admitem os especialistas. Legislar para que as empresas permitam mais pausas entra em conflito com a produtividade e os interesses económicos; comprar cadeiras ergonómicas não é uma prioridade para o bolso de muitos. Mas é necessário mudar o estilo de vida para, como diz Miguel Casimiro, “prevenir uma pandemia de patologias degenerativas da coluna” no futuro.

Além da melhorar a postura, fazer mais pausas e fazer exercício, uma das recomendações é consultar um especialista assim que se sentir dores. Algo que se pode revelar difícil na conjuntura actual.

Na reumatologia, muitos médicos “foram convocados para trabalhar para a covid-19”, por isso “centenas de milhares de consultas de reumatologia foram anuladas ou atrasadas, e centenas de milhares de doentes não foram vistos, inclusive primeiras consultas”, lamenta o presidente da SPR, Luís Cunha Miranda.

Já Adérito Seixas aponta que um estudo da APF concluiu que “cerca de 73% dos fisioterapeutas interromperam a sua actividade presencial; desses, 60% continuaram a acompanhar os seus utentes à distância”. Apesar disso, acreditam “que muitos utentes com dores nas costas na altura da pandemia acabaram por ficar sem acompanhamento”.

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