Presidente da CEP quer mais mulheres na Igreja e menos populismos nos lugares de poder

D. José Ornelas reclamou a presença de mais mulheres nos “lugares de responsabilidade” da Igreja e alertou para os populismos que procuram apanhar a boleia do vírus e do medo para chegar ao poder

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D. José Ornelas presidiu à peregrinação internacional deste 13 de Outubro Adriano Miranda

Mais mulheres e menos populismo. O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. José Ornelas, aproveitou a homilia que encerrou esta terça-feira a peregrinação celebrativa da última “aparição” aos três pastorinhos, em 1917, para reclamar a necessidade de a Igreja chamar mais mulheres a ocupar os lugares de responsabilidade na Igreja, deixando de as remeter a uma posição de subalternidade “perante o protagonismo masculino.

Perante um recinto que a pandemia deixou semivazio de peregrinos, foram vários os alertas face aos perigos, não do coronavírus mas dos populismos que o cavalgam. “Vivemos num tempo em que movimentos populistas manipulam a nostalgia do passado, o mundo real ou imaginário, o perigo do estrangeiro e do que pensa diferente”, alertou o também bispo de Setúbal, imputando aos referidos movimentos “a ganância de possuir e dominar e até modelos religiosos para os seus interesses”.

“Para isso, constroem muros, exacerbam nacionalismos egoístas e conflituosos, que impedem que se chegue a consensos para os problemas de todos, como a pobreza, a injustiça e a depredação do planeta, que coloca em perigo o futuro”, criticou Ornelas, numa intervenção que parece ter escrita à medida do presidente norte-americano, Donald Trump, e do seu antigo estratega Steve Bannon, agora acusado de fraude.

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Quanto às mulheres, as referências foram todas no sentido de reclamar a necessidade de a Igreja lhes reconhecer um papel de menor subalternidade. “Valorizar o papel da mulher contribui decisivamente para a valorização dos ministérios da Igreja, hoje demasiado concentrados nos ministérios ordenados”, pregou, numa estratégia que parece decalcada do que vem defendendo o Papa. Ainda esta semana, Francisco insistiu que tem de haver mais mulheres a participar “nos lugares [da Igreja] onde se tomam decisões importantes”. Não é que esteja em cima da mesa a possibilidade de estas vierem a ser ordenadas: a lógica parece apontar no sentido de ir traçando o caminho, até que, assegurada a tal presença feminina nos lugares de decisão, a ordenação se vá impondo. 

“Trata-se de mudar o paradigma e o modo de pensar. O mundo não é de quem mais manda, mas de quem mais constrói a vida”, situou Ornelas. Perante perto de 4000 peregrinos (contas do próprio santuário, que assegurou a higienização das mãos à entrada e tratou de garantir que todos usavam máscara), o bispo de Setúbal já tinha reiterado que as mulheres que apareciam ao lado dos apóstolos, nos primórdios da Igreja, “não estavam lá só como decoração”. 

Desde o recinto, Carmina da Conceição há-de ter sorrido ao ouvir estas palavras. “Vim rezar pela minha filha que foi operada à cabeça e confio que Nossa Senhora, que bem sabe o que penam as mulheres, nos há-de ajudar”, disse ao PÚBLICO. Aos 86 anos, desafiou o medo do vírus para se deslocar desde Vila Nova de Gaia até Fátima, porque sentiu que “pode ser a última vez”. “Vim com muita fé, porque amo a Nossa Senhora”, justifica-se, terço castanho na mão, manta cinzenta sobre os ombros. Questionada sobre o medo do vírus, responde sem hesitar: “Qual medo? Eu estou mas é consolada”.

Num 12 e 13 de Outubro atípicos, e que na véspera servira já para falar da divulgação das contas do santuário, envoltas em polémica desde que, em 2006, deixaram de ser tornadas públicas, mas que agora poderão “passar a sê-lo”, até porque, como asseverou o bispo de Leiria-Fátima, D. António Marto, a Igreja “não é uma sociedade secreta”, os comerciantes desesperaram por não haver parafernália religiosa a sair das lojas nem dinheiro a entrar. “As pessoas estão muito presas ao medo”, remoía Maria Cecília, braços cruzados à espera de clientes que não chegavam, numa das lojas da Praceta de Santo António, mesmo colada ao santuário. “Da maneira que está, nem vale a pena abrir”, lamentou ainda a comerciante que, mesmo tendo passado o 25 de Abril de 1974 em Fátima, garante que nunca viu “nenhuma crise como esta”. “Mas acho bem que tenham mantido as cerimónias”, defende. Não por causa do negócio, mas porque sente “que “as pessoas agarram-se a Nossa Senhora de Fátima e, em momentos de aflição como este, não se lhes pode fechar as portas”.

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