Florestas: entre os milhões e o desastre

Venham as centenas de milhões de euros, mas actue-se sobre os instrumentos e as medidas de política, para assegurar que não se alimenta mais um ciclo de desastre. Para tal, existem propostas várias.

Nesta semana, assinala-se o terceiro ano sobre os grandes incêndios de Outubro de 2017

A par do que ocorreu nos demais incêndios desse ano, bem como nos do presente quinquénio, pouco ou nada foi feito para que em dimensão similar tais catástrofes não se voltem a repetir. A referência à não mudança não respeita a deitar dinheiro sobre o problema ou a propagandear pseudo-alterações nos comportamentos. A referência respeita sim a alterações na orgânica do Estado, em instrumentos de política, e no ordenamento do território, em medidas de política ajustadas às efectivas capacidades atribuídas a tais instrumentos. Isto, tendo presentes o combate ao êxodo rural, às alterações climáticas, à perda de coberto arbóreo e da biodiversidade. A aposta política, de curta visão, tem sido em projectos-piloto e em “inovação” ministerial: agora a aposta já não é na “grande reforma das florestas”, agora é na alteração da paisagem. Semântica, para alegrar os tolos! 

Neste último quinquénio (2016-2020), embora ainda com dados provisórios referentes a 2020, arderam cerca de 850 mil hectares em território nacional. Sendo um facto que no quinquénio de 2001-2005 se ultrapassaram os um milhão e cem mil hectares, também é um facto que é no actual quinquénio que a área arborizada ardida ultrapassou a área de matos queimados. Desde que há registos, nunca tal tinha acontecido. Ou seja, sempre a área ardida em matos foi superior à área ardida em florestas e plantações arbóreas. Assim foi nos quinquénios de 1996-2000, 2001-2005, 2006-2010 e 2011-2015, respectivamente, com áreas ardidas em matos superiores em 256 mil, 105 mil, 177 mil e 161 mil hectares. No quinquénio actual a área arborizada ardida registou um diferencial de cerca de 155 mil hectares superior à de outra ocupação. 

O facto é preocupante! Sobretudo, pelo impacto que tem na perda continuada de áreas de floresta autóctone, no agravamento do abandono de plantações e na proliferação pelo território de espécies exóticas e invasores. Para além de potenciar futuros incêndios, potencia uma contínua perda de solos, de capacidade de armazenamento de água, de biodiversidade, mas também de postos de trabalho e de riqueza, em especial junto das populações rurais. 

Passados três anos anunciam-se mais centenas de milhões de euros para o sector silvo-industrial e para as florestas. Mas, tal permite algum sossego? Não, pelo contrário, pode assegurar-nos a continuação do desastre. Só na última década, entre 2011 e 2020, têm sido múltiplos os anúncios de centenas de milhões para esta área. Desde os 540 milhões do tempo da ex-ministra Assunção Cristas, anunciadas pelo então secretário de Estado, até aos 700 milhões do ex-ministro Capoulas Santos. Temos agora, em 2020, mais um anúncio de centenas de milhões de euros, desta vez protagonizado por membro do actual Governo. 

Nunca houve tanto dinheiro disponível para o sector silvo-industrial nacional, sejam em subsídios directos, seja em benefícios fiscais. Nunca houve tanta destruição de florestas e tanto abandono de plantações lenhosas. Ou seja, nunca o esforço dos contribuintes, nacionais e europeus, alimentou tanta destruição e património natural em Portugal como nos últimos cinco quinquénios. 

Vamos continuar nesta senda? Obviamente, tudo depende das escolhas que se fazem. Há sempre alternativa. Também é certo que as escolhas são influenciadas e mexem com interesses instalados. Não é novidade! A questão actual é saber que interesses irão prevalecer, se os de quem financia o “sistema”, se dos que dele se aproveitam para benefício próprio. 

Venham as centenas de milhões de euros, mas actue-se sobre os instrumentos e as medidas de política, para assegurar que não se alimenta mais um ciclo de desastre. Para tal, existem propostas várias. Propostas de intervenção na orgânica do Estado, propostas (internacionais) de privilegiar sistemas culturais mais resilientes às alterações climáticas, mas que, sobretudo, quebrem o ciclo de destruição da biodiversidade. Dependemos dela para a nossa sobrevivência.

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