Ferro admite projecto de revisão constitucional do Chega. Partidos têm 30 dias para apresentar propostas

Ferro Rodrigues pedira parecer à Comissão de Assuntos Constitucionais sobre se devia ou não admitir o diploma de André Ventura e esta entende que o Parlamento não pode vedar a entrada de propostas de revisão constitucional.

Foto
daniel rocha

O projecto de revisão constitucional apresentado pelo Chega foi admitido nesta sexta-feira pelo presidente da Assembleia da República. O que significa que os outros partidos têm agora 30 dias para apresentarem os seus projectos e dentro de um mês será constituída uma Comissão Eventual de Revisão Constitucional para se abrir o processo legislativo, anuncia o despacho de Eduardo Ferro Rodrigues divulgado pelo seu gabinete.

A decisão de admissão de Ferro Rodrigues surge na sequência do parecer que pediu à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e que concluiu não ter competência de fiscalização para “apreciar preventivamente a constitucionalidade de um projecto de revisão constitucional” e que “não cabe à Assembleia da República, por mais flagrante que seja a inconstitucionalidade de um projecto de revisão, vedá-lo por via de uma alegação preventiva de violação da lei fundamental”. O parecer da comissão elaborado pela socialista Isabel Moreira considerava ainda que “a sede para fazer esse tipo de juízos é a de uma comissão eventual de revisão, aquando da justificação do sentido de voto.”

O presidente da Assembleia da República realça que pediu o parecer à comissão por ter “dúvidas razoáveis” sobre se o teor do projecto do Chega violaria ou não a Constituição por “afectar o elenco de limites materiais de revisão e alguns dos princípios protegidos por esses mesmos limites”. Na verdade, o texto de André Ventura propõe acabar com o artigo 288.º da Constituição que contempla precisamente os limites materiais da revisão que “uma parte da doutrina [considera] não poderem ser afastados” numa revisão constitucional, alega Ferro Rodrigues. Ou seja, Ventura quer acabar com um artigo em que a Constituição estipula quais os limites dentro dos quais deve ser revista, passando essa revisão a não ter quaisquer balizas.

Entre as medidas propostas estão a prisão perpétua, a criação da pena de castração química ou física a condenados por crimes de violação ou abuso sexual de menores, a limitação dos cargos de primeiro-ministro e ministro a quem tiver nacionalidade portuguesa originária, a eliminação dos limites materiais da revisão da própria Constituição ou a retirada do termo “república” na referência a Portugal.

No texto do despacho, Ferro Rodrigues cita os constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira para alegar que enquanto presidente da Assembleia da República está “vinculado a não admitir iniciativas que infrinjam a Constituição ou os princípios nela consignados”. E argumenta que os constitucionalistas Jorge Miranda e Rui Medeiros também admitem a “possibilidade de um projecto de revisão constitucional ser rejeitado por violação de requisitos formais”.

Apesar de ser esta a filosofia daquele que é considerado o “pai” da Constituição da República Portuguesa, Ferro Rodrigues socorre-se então da “cautela” para, perante as “dúvidas razoáveis sobre o teor” do projecto do Chega, se justificar: “Entendo que o poder de rejeitar uma iniciativa deve ser exercido com a maior cautela, em respeito pelos poderes de iniciativa constitucionalmente reconhecidos.”

Por isso, tendo em conta o parecer da comissão que entendia que o Parlamento não pode vedar a admissão de qualquer projecto de revisão constitucional, assim como as “diferentes posições defendidas por alguns constitucionalistas sobre esta matéria, entendo que a especial complexidade da questão da revisibilidade dos limites materiais de revisão aconselha a que não seja rejeitada uma iniciativa de revisão constitucional que não respeite esses mesmos limites, ainda que de forma evidente, como é o caso”.

O Chega já tinha entregado em Março um projecto de revisão constitucional bem mais reduzido do que o actual mas que acabou por retirá-lo por causa da declaração do estado de emergência. Na altura, o PSD tinha admitido que só tencionava avançar com um projecto próprio no final da sessão legislativa, ou seja, em Junho ou Julho passado, ou no início da actual. 

O artigo sobre os limites materiais da revisão estipula que as leis de revisão constitucional têm que respeitar, entre outros princípios, a independência nacional e a unidade do Estado; a forma republicana do governo; a separação das igrejas do Estado; os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos; os direitos dos trabalhadores, comissões de trabalhadores e associações sindicais; a coexistência dos sectores público, privado, cooperativo e social de propriedade dos meios de produção; o sufrágio universal, directo, secreto e periódico e o sistema de representação proporcional; o pluralismo de expressão e organização política e o direito de oposição democrática; a separação e interdependência dos órgãos de soberania; a fiscalização da constitucionalidade; a independência dos tribunais; a autonomia das autarquias locais e a autonomia político-administrativa dos arquipélagos dos Açores e da Madeira. 

Sugerir correcção