Altice: há “ausência de diálogo” entre operadores e Governo e a culpa é da Anacom

Secretário de Estado das Comunicações diz que Governo, operadores e regulador estão “condenados” a entenderem-se no 5G. Altice diz que Anacom cria “clivagens” e quer que o Estado se comprometa com investimento em redes.

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O Governo entende que ter Internet "com boas condições de acesso e a bom preço” é “cada vez mais um direito essencial" Nelson Garrido

O tema era o investimento em 5G (a quinta geração móvel), cujo leilão se espera que avance este mês, e o presidente da Altice, Alexandre Fonseca, aproveitou a sua intervenção no último dia da Portugal Mobi Summit para fazer uma espécie de manifesto em nome do sector das telecomunicações e deixar recados. À entidade reguladora Anacom, mas também ao Governo.

Afirmando que o mundo se confronta com um quadro de incerteza macro-económica, que obriga a “redefinir investimentos”, e que a quinta geração móvel “não pode continuar a ser uma prioridade nacional, quando comparado” com os investimentos necessários em educação ou saúde, o presidente da Altice (dona da Meo) diz que o sector das telecomunicações está ameaçado, depois de se ter mostrado “vital”, permitindo “o sucesso do confinamento”.

O 5G e a nova lei das comunicações electrónicas (a Anacom entregou a sua proposta de diploma ao legislador) não podem ser transformados em armas “que ataquem” o sector, respondendo a “estímulos populistas e demagógicos ou meras ideologias políticas”, afirmou Alexandre Fonseca.

“Não podemos deixar que se continue a legislar por decreto, que se continue a legislar com base em informação do Google, que se continue a legislar sem falar com os verdadeiros players” do sector, disse o gestor, acrescentando que “a ausência de diálogo tem responsáveis”.

“Não podemos deixar que um regulador inconstante, prepotente, alheado daquilo que é o diálogo, com um ego gigante, continue a criar clivagens entre os operadores, Governo e portugueses, num sector que é vital”, acusou.

Antes da intervenção de Alexandre Fonseca, havia estado no palco o novo secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, Hugo Santos Mendes, apelando ao “espírito de cooperação” dos vários actores, para fazer com que “o 5G seja, em breve, uma realidade”.

É necessário “alinhar interesses” entre Governo, regulador, autarquias, fornecedores de equipamentos, parceiros tecnológicos e operadores de telecomunicações para introduzir uma nova tecnologia que vai ser “absolutamente essencial” e transformadora nos sectores da indústria e serviços, afirmou o governante. “Estamos condenados a entendermo-nos”, sublinhou ainda.

5G não é prioridade

O presidente da Altice considera que o 5G vai ser uma tecnologia relevante a nível mundial, mas já não pode ser uma prioridade. Agora é tempo de o Estado se comprometer com investimento público, que complemente o investimento privado para garantir o acesso de todos os portugueses aos serviços já existentes sobre as actuais redes de fibra óptica e 4G.

O anteprojecto de diploma que transpõe o novo código europeu das comunicações e que vai alterar a Lei das Comunicações Electrónicas traz novidades como o serviço universal de banda larga ou os vales de desconto na Internet para as famílias com menores recursos, em linha com a intenção já anunciada pelo Governo de criar uma tarifa social da Internet.

Alexandre Fonseca destacou na sua intervenção que as redes de fibra óptica e 4G demonstraram “a sua capacidade e resiliência num momento extraordinário” e defendeu que, no novo contexto criado pela pandemia, “redefinir a estratégia de investimento em 5G é balanceá-la com os investimentos que foram feitos ou estão a ser feitos” nessas redes.

“É este o momento de garantir verdadeira complementaridade e cooperação entre o investimento privado e público” e de garantir “incentivos” às empresas para que “continuem a investir nas tecnologias certas” para chegar “a todos os portugueses, sem excepção”, sublinhou.

A Altice considera que há o risco de se criar com a nova lei das comunicações electrónicas uma “ferramenta política” que vai “permitir a desresponsabilização do Estado e que lhe retira a obrigação de servir todos os portugueses por igual”.

Por outro lado, teme que o Estado caia “na tentação” de se financiar com o leilão do 5G, “descapitalizando as empresas e inviabilizando que a rede chegue onde é precisa”.

A Internet como “direito essencial”

Antes, o secretário de Estado, Hugo Santos Mendes, tinha reconhecido que “aceder à internet com boas condições de acesso e a bom preço” é “cada vez mais um direito essencial”.

“Cabe ao Estado pugnar pela concretização deste direito”, disse. O Estado deve garantir, “mesmo que indirectamente, a acessibilidade infra-estrutural” e a “acessibilidade tarifária”.

“Esta, sabemos bem, é uma obrigação que está ainda longe de ser bem cumprida em Portugal”, afirmou o secretário de Estado, sem especificar, como é que esta acessibilidade deverá ser financiada.

Hugo Mendes destacou, no entanto, que os operadores de telecomunicações estão confrontados, no 5G, “com as especificidades de uma nova tecnologia que requer um investimento muito mais elevado que as anteriores”.

Além disso, são chamados a investir “num contexto pandémico e de perda de rendimento das famílias – sem esquecer o esforço que já tiveram de fazer para reforçar a capacidade das suas redes” nesta nova realidade.

“O actual contexto sanitário e económico não pode deixar de gerar incerteza nos seus planos de negócios e, em particular, nas suas decisões de investimento”, reconheceu.

Hugo Mendes também afirmou que cabe ao Governo “definir a política comunicações do país” (o executivo aprovou a sua estratégia de 5G no início do ano) e que a Anacom tem “um papel complementar ao do Governo”, cabendo-lhe a responsabilidade de elaborar o regulamento do leilão. Este é um procedimento “participado e exigente” (sujeito a consulta pública), com “poder suficiente para moldar o mercado”.

O projecto de regulamento de leilão, cuja versão final ainda não se conhece, já levou a Comissão Europeia a pedir esclarecimentos ao Governo português sobre eventuais auxílios de Estado que possam não ter sido notificados.

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