Consultas de psiquiatria aumentaram em Portugal, ao contrário de outros países

Inquérito divulgado pela Organização Mundial de Saúde revela que a pandemia de covid-19 interrompeu ou suspendeu serviços essenciais de saúde mental em 93% dos países do mundo.

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Ines Fernandes

As consultas de psiquiatria e psiquiatria da infância e da adolescência subiram nos primeiros meses do ano em Portugal, ao contrário do que aconteceu em outros países, segundo o director do Programa Nacional para a Saúde Mental.

Um inquérito divulgado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a propósito do Dia Mundial da Saúde Mental, que se assinala em 10 de Outubro, revela que a pandemia de covid-19 interrompeu ou suspendeu serviços essenciais de saúde mental em 93% dos países do mundo, numa altura em que a procura por estes cuidados de saúde está a aumentar.

Para o director do Programa Nacional para a Saúde Mental (PNSM), Miguel Xavier, o estudo indica que terá acontecido na área da saúde mental o que aconteceu na maior parte das especialidades médicas em que houve uma diminuição da prestação de cuidados associada à pandemia.

“Ao contrário dos outros países, em Portugal nos primeiros meses do ano, vários deles já de pandemia, o número de consultas em psiquiatria e psiquiatria da infância e da adolescência não baixou, subiu”, observou o psiquiatra, adiantando que houve “um cuidado expresso” para que não houvesse uma interrupção de cuidados aos doentes que são seguidos em serviços de psiquiatria.

A este propósito, lembrou a norma na Direcção-Geral de Saúde relacionada com os internamentos dos doentes covid-19 que alertava para a necessidade dos serviços de psiquiatria se manterem como estavam para dar resposta ao que as autoridades de saúde pensavam que “iriam ser as necessidades aumentadas da população”.

“Isto tanto resultou que o número de consultas aumentou em relação ao ano passado”, salientou, referindo que a população que não é seguida em serviços de psiquiatria, mas que teve durante a fase da pandemia sofrimento psicológico, sintomas de depressão, ansiedade, insónia, foi seguida nos centros de saúde. “Se me pergunta se a resposta de Portugal foi suficiente para o aumento das necessidades (...) em relação aos cuidados primários eu não consigo dar-lhe uma resposta cabal”, afirmou Miguel Xavier, adiantando que essa resposta será conhecida dentro de alguns meses. Para Miguel Xavier, o “mais expectável era que, tal como aconteceu nos restantes campos da medicina, houvesse um retraimento no número de consultas”.

“Isto não é um assunto que só diz respeito à psiquiatria e a Portugal, isto tem a ver com toda a medicina e com todo o mundo”, mas “é indiscutível que há uma necessidade acrescida decorrente do sofrimento psicológico das pessoas”, disse. Mas, ressalvou, nem todo o sofrimento psicológico necessita de cuidados de saúde, faz parte da vida e é importante que a população perceba isso para “ficar tranquila e não haver dramatismos nesta área”. “Há estudos longitudinais realizados desde o início do período de confinamento até ao fim que mostram que os sintomas depressivos e ansiosos da população iam diminuindo”, porque as pessoas se vão habituando a lidar com o sofrimento, disse o director do PNSM.

Contudo, há um conjunto de pessoas em que “não se verificou uma diminuição tão acentuada” dos sintomas depressivos e ansiosos, nomeadamente as que estavam desempregadas. Esta situação alerta para um aspecto “muito importante” e que já era conhecido: “o impacto do contexto económico no sofrimento psicológico das pessoas”. A pobreza, o desemprego, a desigualdade social são “factores determinantes, não exclusivos, mas importantes e relevantes, no aparecimento do sofrimento psicológico”.

Por isso, defendeu Miguel Xavier, “a resposta às questões de saúde mental provocadas por uma crise, como a pandemia, têm de ser enquadradas do ponto de vista da saúde, mas também a nível do apoio social às pessoas que estão em situação mais precária”.

Investimento financeiro

Para o director do PNSM “há uma enorme desproporção” entre o impacto que os problemas de saúde mental têm e o investimento feito nesta área, uma situação que deve ser ultrapassada. “Tal como em muitos países, em Portugal tem havido um subinvestimento crónico na saúde mental”, disse Miguel Xavier.

Para o psiquiatra, “há uma enorme desproporção entre o impacto que os problemas de saúde mental têm e aquilo que é investido a nível dos cuidados de saúde primários e dos serviços especializados”. “Não se pode esperar que a saúde mental das populações esteja bem se não houver um investimento proporcional”, alerta, considerando que este será “um dos maiores desafios dos próximos anos, mas já a curto prazo”.

Actualmente é possível comparar o impacto e a carga social em termos de custos directos e indirectos que as várias áreas da saúde e da demência têm nas sociedades e o que se verifica é que “a doença mental aparece sempre em primeiro ou segundo lugar” com uma carga global de 10% a 15%. Este valor deveria representar o financiamento do Serviço Nacional de Saúde nesta área. Contudo, as estimativas apontam para um financiamento entre 4% e 5%, “o que é muito pouco”.

Miguel Xavier defende que este valor devia “subir um pouco” todos os anos, de “uma forma ponderada, mas fazendo as apostas certas”, nomeadamente onde há as “maiores falhas": nos cuidados de proximidade e nas respostas nos cuidados de saúde primários, para onde devia ir “a maior parte da aposta financeira” nos próximos anos.

Sobre o apoio que o Ministério da Saúde tem dado ao PNSM, Miguel Xavier afirmou que estão “numa fase de grande consonância e de grande sobreposição”. “Estamos a trabalhar juntos e estão a fazer-se investimentos importantes, mas há alguns que ainda faltam, por exemplo, a nível dos cuidados de saúde primários”, disse.

A maior parte das respostas que estão disponíveis nos centros de saúde para quem está em sofrimento psicológico são fundamentalmente de natureza farmacológica, porque faltam psicólogos e programas implementados no tratamento da depressão e da ansiedade ligeira a moderada. “É preciso que haja muitíssimos mais psicólogos nos centros de saúde por esse país fora”, diz Miguel Xavier, reconhecendo que “isto não se vai fazer de um dia para o outro, mas é preciso começar”, porque senão “Portugal aparecerá inevitavelmente com um país de elevado consumo de psicofármacos”.

Miguel Xavier defende ainda que os serviços funcionarão “muito melhor” em proximidade, realçando a importância da criação das primeiras cinco equipas comunitárias de adultos, às quais se seguirá outras tantas para a infância e adolescência.

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