Um Circuito para salvar as salas independentes com programação musical própria

No sábado, 17 de Outubro, mais de 250 artistas, além de profissionais do espectáculo e público em geral, juntar-se-ão em filas para tentar mudar o futuro incerto do circuito nacional de música ao vivo.

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Barracuda Clube de Roque, no Porto, uma das salas já associadas à Circuito paulo pimenta

No sábado, 17 de Outubro, mais de 250 artistas, além de profissionais do espectáculo e público em geral, farão filas à frente de espaços como o Lux Frágil, em Lisboa, os Maus Hábitos, no Porto, o Carmo 81, em Viseu, e a Sociedade Harmonia Eborense, em Évora, para tentar mudar o futuro incerto do circuito português de salas e clubes independentes com programação musical própria. A iniciativa, chamada #aovivooumorto, parte da Circuito, a nova rede que une, por agora, 27 destas salas. Estas foram responsáveis, explica a organização, por 7537 actuações musicais no ano passado, que chegaram a um milhão 178 mil e 847 pessoas. Este ano, no contexto da pandemia de covid-19, o caso é muito diferente.

“O que é que identifica um clube ou uma sala de espectáculos, seja grande ou pequena? É a fila à porta, e o que a gente vai fazer é isso”, conta ao telefone com o PÚBLICO Daniel Pires, fundador e gestor dos Maus Hábitos e director artístico da Saco Azul, a associação cultural sediada nesse espaço, é um dos porta-vozes da Circuito. “Vamos ter várias filas que se vão subdividir para ir a diversos sítios onde as pessoas não vão poder entrar, claro, e irão ficar à porta, porque estamos fechados”, continua. Será, realça, “uma fila ordeira, com tudo o que a Direcção-Geral da Saúde (DGS) pressupõe, separação de dois em dois metros, com máscara e cartazes” e à qual “os músicos poderão levar instrumentos”. Não será, contudo, “uma festa”. “Poderão ser gritadas palavras de ordem, haverá panfletos e cartazes”, sublinha.

Risco iminente

Às salas já mencionadas junta-se, nesta associação que será finalmente formalizada na próxima semana, A Casa - Oficina Os Infantes, em Beja, a Alma Danada, que programa o Cine Incrível, em Almada, a Bang Venue, em Torres Vedras, o Barracuda Clube de Roque, o Ferro Bar, o Hard Club, o Passos Manuel, o Plano B e o Woodstock 69 Rock Bar, no Porto, o Barreirinha Bar Café, no Funchal, o B. Leza, a Casa do Capitão, a Casa Independente, as Damas, o Hot Clube de Portugal, o Lounge, o Musicbox, o RCA Club, o Titanic, o Valsa e o Village Underground, em Lisboa, o Club de Vila Real, em Vila Real, e o Salão Brazil, em Coimbra.

Daniel Pires explica que começou a fazer planos para a associação quando esteve com Gonçalo Riscado, da CTL - Cultural Trend Lisbon, que é responsável pelo Musicbox, na MMVV, a Feira de Música Viva de Vic, na Catalunha. A CTL tinha o MIL, enquanto o Maus Hábitos tinha o Super Bock Super Nova, um circuito que já passava por algumas destas salas, e começaram a sentir que teriam de “montar uma associação para especificamente reconhecer e valorizar o papel das principais salas de programação de música que existem”. 

Os planos já existiam, até se fala disto há largos anos, mas tudo tudo foi naturalmente agravado pela pandemia, que pôs ainda mais em risco o futuro das salas – o Club de Vila Real, por exemplo, já fechou, tal como o Sabotage, em Lisboa. “Há um risco iminente destas salas fecharem”, explica Daniel Pires. "Sabendo nós da existência de associações internacionais”, em países como a Holanda, França ou Alemanha, “sabemos como foram orientadas as campanhas do #saveourvenues”, em Inglaterra, uma iniciativa da instituição de caridade Music Venue Trust que já conseguiu arrecadar mais de três milhões de euros para distribuir por 229 projectos. “Estamos a começar este processo, numa altura em que não temos realmente medidas que nos sirvam e salvem”, conta o responsável. “Não queremos estar parados à espera que isto passe”, sublinha, e também não querem que se contrariem as regras da DGS. “Queremos abrir e fazer pequenos eventos, mas não nos peçam para assumirmos todos os salários e encargos só porque abrimos uma sala para fazer um concerto para 20 pessoas”, conta.

A campanha quer, assim, como está escrito no site oficial da associação, “a implementação urgente de medidas de apoio e estratégias públicas de protecção e valorização deste sector​”, com um “investimento nas salas” que seja “válido até ser autorizada a retoma sustentável da actividade e que garanta a compensação do prejuízo mensal provocado pelos custos fixos de exploração das salas, os quais não foram suspensos ou comparticipados por outros programas”, bem como “a disponibilização de programas de apoio à criação, programação e circulação artística, envolvendo a rede do Circuito”.

É que, mesmo com a paragem total ou a reabertura a meio gás de alguns destes espaços, estes continuam a ter custos associados: “Continuas a pagar rendas, impostos, seguros, tudo e mais alguma coisa, se tiras as pessoas do layoff tens de pagar salários e impostos, não faz com que seja rentável”, continua. Os Maus Hábitos, por exemplo, têm uma sala com 200 lugares que está a ser usada só para 44. “Felizmente já tínhamos um restaurante, mas somos a excepção à regra”, mantém. “Nós todos perdemos muito dinheiro com isto e estamos a ser empurrados para o endividamento. Não é garantido que, depois de tudo passar, consigamos pagar essas dívidas que estamos a contrair”, adiciona. O espaço pelo qual é responsável estava, afirma, com à volta de 80 mil pessoas por ano. “Este ano se tivermos 15 mil...”, diz, mencionando que terão perdido cerca de 60% da facturação.

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