Leia um poema de Louise Glück, Nobel da Literatura

O júri escolheu a poeta norte-americana pela “sua inconfundível voz poética que com austera beleza torna universal a existência individual”. O PÚBLICO divulga um poema da autora editado em Portugal.

Paisagem/3.

Nos fins do outono uma rapariga deitou fogo
a um trigal. O outono

fora muito seco; o campo
ardeu como palha.

Depois não sobrou nada.
Se o atravessávamos, não víamos nada.

Nada havia para colher, para cheirar.
Os cavalos não compreendem –

Onde está o campo, parecem dizer.
Como tu ou eu a perguntar
onde está a nossa casa.

Ninguém sabe responder-lhes.
Não sobra nada;
resta-nos esperar, a bem do lavrador,
que o seguro pague.

É como perder um ano de vida.
Em que perderias um ano da tua vida?

Mais tarde regressas ao velho lugar –
só restam cinzas: negrume e vazio.

Pensas: como pude viver aqui?

Mas na altura era diferente,
mesmo no último verão. A terra agia
como se nada de mal pudesse acontecer-lhe.

Um único fósforo foi quanto bastou.
Mas no momento certo – teve de ser no momento certo.

O campo crestado, seco –
a morte já a postos
por assim dizer. 

(Terceira parte do poema Paisagem, que integra o livro Averno, 2006. Tradução de Rui Pires Cabral, publicada em 2009 no n.º 12 da revista Telhados de Vidro, editada pela Averno)

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