Carta dos direitos digitais do PS suscitou dúvidas à esquerda e à direita

Projectos de lei do PS e PAN criticados por deixarem de fora desconexão laboral.

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José Magalhães mostrou abertura para trabalhar o projecto de lei em comissão LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

O deputado socialista José Magalhães começou o debate em torno da carta dos direitos digitais em tom prudente – admitindo que o projecto de lei “não resolve” todos os problemas – mas as dúvidas e algumas críticas fizeram-se ouvir por parte de quase todas as bancadas.

Em debate estiveram o projecto de lei do PS e o do PAN sobre a promoção da igualdade no acesso à Internet. No caso dos socialistas, a iniciativa proíbe a utilização de meios de reconhecimento facial com recurso à inteligência artificial através de sistemas de videovigilância em locais públicos e prevê o direito ao testamento digital. O projecto do PAN pretende dar enquadramento legal à tarifa social da Internet, propõe entre outras medidas a criação da figura da acção popular digital que “permita aos cidadãos e às associações representativas dos consumidores assegurar a defesa dos direitos digitais dos cidadãos e reagir contra eventuais violações do disposto” na carta dos direitos digitais proposta. A proposta serve para que a carta não seja “letra morta”, segundo o deputado do PAN Nelson Silva. 

Apesar de o debate ter sido marcado em torno dos dois projectos, foi a proposta socialista que suscitou mais atenção. O líder da bancada comunista, João Oliveira, disse temer que o PS pretenda fazer uma “codificação napoleónica” de direitos fundamentais na era digital e questionou qual a articulação com outras leis já em vigor. Por parte do PEV, a deputada Mariana Silva manifestou preocupação com a desigualdade territorial no acesso à Internet, um ponto assinalado por deputados de várias bancadas. 

O bloquista José Manuel Pureza fez mesmo depender o voto da bancada no final do processo legislativo dos dois projectos da inclusão de referências aos direitos de autor e relativos à desconexão laboral, ou seja, o direito dos direitos dos trabalhadores a não serem contactados fora do seu horário de trabalho. José Magalhães esclareceu, depois, que não foi incluída nenhuma referência à remuneração dos criadores por estar “regulada pelos direitos de autor”. Quanto à desconexão laboral, PS e PAN remetem a regulação para outra legislação.

À direita do PS, a social-democrata Sara Madruga da Costa considerou que as duas iniciativas “se limitam a copiar direitos que já existem” e disse “estranhar que ignora os direitos dos trabalhadores”. A deputada apontou que o projecto do PS “traz inúmeros problemas jurídicos-constitucionais e não resolve a questão dos algoritmos e da privacidade”.

Também o CDS viu problemas nos dois projectos de lei ao considerar que “revogam a lei do copyrigt, põem em causa os direitos de autor, e não previnem o terrorismo”, segundo João Gonçalves Pereira. O deputado apontou outro exemplo na desprotecção dos direitos desportivos: “Através da aprovação deste diploma é possível a qualquer utilizador fazer streaming de forma legal e gratuita”.

Os deputados únicos da Iniciativa Liberal (IL) e do Chega alinharam pelas críticas, embora apontando aspectos diferentes. João Cotrim de Figueiredo, da IL, considerou que o projecto socialista era uma “desculpa mal-disfarçada para aprovar abusos de controlo do Estado”. Já André Ventura considerou haver uma “violação flagrante” das leis de direitos de autor e acusou o PS de “estar interessado em censurar alguns discursos em Portugal”, mas defendeu que o partido “não consegue calar as redes sociais.”

Já no final do debate, os deputados socialistas José Magalhães e Porfírio Silva mostraram abertura para trabalhar o projecto em comissão. Só esta sexta-feira as duas iniciativas são votadas na generalidade.

Fim das propinas no superior travado por PS, PSD e CDS

Já no debate parlamentar em torno da limitação ou eliminação das propinas no ensino superior a clivagem entre esquerda e direita foi mais nítida. Em causa estavam os projectos de lei do BE, PCP e PAN que pretendem colocar um tecto às propinas (ou a sua eliminação no caso da bancada comunista), mas que não tiveram acolhimento no PS, PSD e CDS.

A socialista Alexandra Tavares de Moura sublinhou a redução de propinas em licenciaturas conseguida nos últimos cinco anos por parte do Governo bem como a atribuição de mais bolsas e de bolsas com valores mais elevados sem comentar directamente as propostas em debate. À direita, tanto o PSD como o CDS não defendem o fim das propinas como princípio.

A centrista Ana Rita Bessa sustentou que “limitar administrativamente receitas é condenar a qualidade oferta ou a sua existência” e sublinhou a necessidade de apostar na acção social que considera ser a garantia de que “ninguém fica para trás”. Já Duarte Marques, do PSD, condenou as posições do PS, BE e PCP (também acompanhada pelo PEV) por considerar que não são coerentes. “O PS é a favor do fim das propinas em campanha depois chega aqui dentro e fica calado. O BE e o PCP são pelo fim das propinas excepto quando estão a negociar o Orçamento do Estado. E este ano como é que é? É mais um teatro que fazem agora para depois deixarem cair este projecto? Afinal quem é que assume que isto é uma prioridade para o Orçamento ou faz campanha eleitoral?”, questionou.

A defesa da acção social forte foi contestada pelo bloquista Luís Monteiro. “Há um pecado capital da direita: o que estão a propor é que num mestrado que custa 32 mil euros, um estudante vai ter uma bolsa mínima de 32 mil euros?”, questionou.

Alma Rivera, do PCP, lembrou que o fim das propinas não é uma ideia original portuguesa e desafiou as bancadas à direita a votar a favor do projecto da sua bancada.

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