“Jóia do património”: Embaixada de França abre o Palácio de Santos a visitas

Não faltam jóias por aqui, entre a capela, a azulejaria, o jardim. E uma colecção “única no mundo”: 260 pratos de porcelana chinesa incrustados num tecto. Visita ao Palácio de Santos, do século XVII mas com uma história que começa no século IV.

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A sala das porcelanas, com a colecção de 260 pratos da dinastia Ming no tecto Rui Gaudêncio
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A sala de refeições Rui Gaudêncio
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A capela Rui Gaudêncio
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O tecto da sala vestibular, com as armas da família Lancastre, reflectido na mesa Rui Gaudêncio
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Tapeçaria na sala vestibular Rui Gaudêncio
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Tapeçaria de Vieira da Silva na sala das porcelanas Rui Gaudêncio
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Detalhe de decoração no salão nobre Rui Gaudêncio

É um palácio cheio de histórias, que faz parte da História de Portugal e da de França, mas, até aqui, poucos tinham a oportunidade de conhecer por dentro. A partir de agora, o Palácio de Santos – mais conhecido como Embaixada de França – abre-se a visitas guiadas, quatro vezes por mês (duas em português, duas em francês).

É uma oportunidade para, entre muitas outras coisas, ver a mesa na qual, segundo a lenda, D. Sebastião terá comido a última refeição antes de partir para Alcácer Quibir, e para descobrir o extraordinário tecto que alberga uma colecção de 263 pratos de cerâmica chinesa, da dinastia Ming.

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A sacristia do século XVII inclui trabalhos de Vieira da Silva Rui Gaudêncio

A iniciativa parte de uma ideia há muito acarinhada pela actual embaixadora francesa em Lisboa, Florence Mangin, e que se concretizou através de uma parceria com a empresa de promoção e gestão de bens patrimoniais Patrimonium, de Joel Moedas-Miguel, que conduzirá as visitas.

Florence Mangin acredita nesta abertura de portas – chama-lhe “diplomacia patrimonial” – não só para permitir que os visitantes, sejam portugueses ou estrangeiros, conheçam esta “jóia do património deste país”, mas também que “mudem a imagem da diplomacia, que se vê muitas vezes como secreta e opaca”.

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O tecto da sala da música Rui Gaudêncio

Assim, as portas do Palácio de Santos abrem-se e com elas muitas histórias. Na breve visita de apresentação que fez, Joel Moedas-Miguel recuou até às origens da cidade de Lisboa, mais precisamente ao século IV, quando três irmãos, Veríssimo, Máxima e Júlia, perseguidos pelo imperador romano Diocleciano, são martirizados e atirados ao Tejo. Miraculosamente, os seus corpos dão à costa na chamada Praia de Santos (toda a zona de Santos deve o nome a estes três irmãos). As relíquias dos mártires cristãos foram depois veneradas em segredo até que, depois da conquista da cidade aos mouros, D. Afonso Henriques manda erguer uma ermida, precisamente neste local, onde se encontra hoje o palácio.

A ermida torna-se convento, entregue à Ordem de Santiago de Espada e habitado pelas viúvas e filhas dos cavaleiros até que, em 1490, elas se mudam para o novo mosteiro de Santos-o-Novo, levando as relíquias dos três santos.

No século XV, o convento passa a ser uma residência palaciana na qual o rei D. Manuel e mais tarde o seu neto D. Sebastião passam algumas temporadas. Daí a lenda segundo a qual a pequena mesa de pedra que ainda hoje pode ser vista no jardim, frente ao rio, terá sido onde o D. Sebastião tomou, em Junho de 1578, a última refeição antes da partida para África, onde desapareceria na trágica batalha de Alcácer Quibir.

O palácio passa depois para as mãos da família Lancastre que, no século XVII, encomenda ao arquitecto João Antunes a primeira grande campanha de obras, à qual se seguem outras, mais decorativas, no século XVIII. Desse período do século XVII podem ser vistos dois dos espaços mais fascinantes desta visita, que inclui sete salas e o jardim: a capela, com a sacristia, e a sala das porcelanas, com o seu tecto piramidal, de alvéolos, onde estão incrustados os mais de 260 pratos.

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A mesa onde, de acordo com a lenda, D. Sebastião tomou a última refeição antes de partir para Alcácer Quibir Rui Gaudêncio

Esta sala é, sublinha Joel Moedas-Miguel, algo de “único, neste palácio, em Lisboa e no mundo”. “É uma forma única de expor uma colecção de porcelana da dinastia Ming, que foi trazida para a Europa pelos portugueses e era um produto de luxo, com um valor no mercado superior ao da prata, o que mostra a sua importância, riqueza e exotismo.”

Também do século XVII é a pequena capela familiar, que, explica o nosso guia, “reúne o melhor das artes decorativas portuguesas da época, nomeadamente a azulejaria, com o gosto azul e branco influenciado pela porcelana chinesa, a madeira, a talha dourada, e a combinação entre mármores portugueses (a Brecha da Arrábida), e o falso marmoreado, pintado sobre madeira.”

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O salão nobre com o seu mobiliário nacional francês Rui Gaudêncio

É nessa capela que, entre várias pinturas de artistas portugueses e espanhóis, representando a vida da Virgem Maria e a Paixão de Cristo (a ascensão é particularmente “barroca e teatral”, com a imagem de Cristo a destacar-se, esculpida), vemos uma que representa Veríssimo, Máxima e Júlia, os três irmãos mártires.

Tanto a sacristia anexa à capela como a sala das porcelanas acolhem obras de Vieira da Silva – a primeira, belíssimos painéis de azulejos e a segunda uma tapeçaria. Esta integração de obras dos anos 50 do século XX é já resultado da vontade dos embaixadores franceses (o primeiro foi o Conde de Armand, chefe da diplomacia francesa em Portugal no início do século) que passaram a ocupar o palácio a partir de 1909.

A visita inclui ainda a sala vestibular, onde podem ser vistas, no tecto, as armas da família Lancastre e onde o mobiliário continua a ser todo ele português; a sala de refeições; a sala da música, com a decoração encomendada por D. Pedro de Lancastre ao pintor Pedro Alexandrino de Carvalho, que lhe imprime um estilo neo-clássico; e o salão nobre com o seu mobiliário nacional francês (embora o chão esteja decorado com um tapete de Arraiolos encomendado à medida) e os retratos de embaixadores e reis de França.

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