Bruxelas repete ultimato e avisa Londres para as consequências de aprovar lei que viola acordo do “Brexit”

Vice-presidente da Comissão Europeia diz que a decisão do Governo de Boris Johnson terá impacto nas negociações para um futuro acordo comercial: “Para nós, a recuperação da confiança depende da retirada da lei” do mercado interno até ao fim de Setembro.

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Maros Sefcovic está preocupado com o progresso das negociações com o Reino Unido Reuters/POOL
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Comité conjunto de implementação do acordo de saída reuniu esta segunda-feira em Bruxelas LUSA/JOHN THYS / POOL

A União Europeia não obteve “nenhuma indicação” por parte do Governo do Reino Unido de que pretende corrigir ou revogar os aspectos da sua proposta de lei sobre o mercado interno britânico que colidem com as disposições do Protocolo da Irlanda do acordo de saída, em violação do direito internacional — e que “colocam problemas sérios” à negociação da parceria económica e política após o período de transição do “Brexit”.

“Apesar do que está a acontecer, continuamos disponíveis para negociar, de boa-fé, a nossa proposta para um ambicioso acordo comercial com zero quotas e zero tarifas. Nunca será a União Europeia a causar o fim das negociações”, garantiu Maros Sefcovic, o vice-presidente da Comissão para as Relações Institucionais que representa a UE no comité conjunto que supervisiona a implementação do acordo do “Brexit”, no final da terceira reunião com o seu homólogo britânico, Michael Gove, esta segunda-feira.

Como referiu, é no âmbito deste comité que Londres terá de resolver as questões levantadas pelo novo regime que será aplicado à Irlanda do Norte no fim do período de transição — e não, unilateralmente, através de legislação doméstica. “Se a lei do mercado interno for adoptada no actual formato, constituirá uma séria violação do protocolo e do direito internacional”, e a UE será obrigada a recorrer aos “remédios jurídicos” previstos no acordo de saída para resolver essa disputa. “Não teremos nenhum problema em fazê-lo”, assegurou.

Com o prazo fixado por Bruxelas para Downing Street resolver o “problema” colocado pela legislação interna prestes a esgotar-se, Sefcovic admitiu que a decisão de Boris Johnson terá implicações imediatas nas negociações para a assinatura de um tratado de livre comércio que permita ultrapassar os constrangimentos que inevitavelmente vão surgir com o fim do período de transição. “Para nós, a recuperação da confiança depende da retirada da lei”, frisou.

Os dois lados retomam as conversações esta terça-feira, numa nova ronda que é considerada “decisiva”: segundo o calendário estabelecido no início do ano, quando o Reino Unido saiu da UE, o acordo comercial deveria ser fechado até 15 de Outubro, para poder ser aprovado pelos líderes europeus e ratificado pelo Parlamento Europeu e Westminster antes do final do ano.

Tendo em conta as divergências profundas que ainda permanecem em matérias tão sensíveis como a concorrência (level playing field) ou as pescas, onde a UE exige que o Reino Unido respeite o princípio da reciprocidade, as expectativas de que ainda será possível evitar o cenário de no deal e o “salto no precipício” são reduzidas, para não dizer praticamente nulas.

“Desde o início deste processo dissemos que apenas estávamos interessados num tratado comercial básico, e continuamos a ser confrontados com exigências que nos levariam a aceitar soluções que não reflectem a realidade do nosso estatuto de país independente”, comentou um porta-voz do primeiro-ministro, Boris Johnson, em Londres. “Agora que vamos entrar na fase final das negociações, não deixaremos de nos focar no essencial para alcançar esse acordo básico”, acrescentou, citado pela Reuters.

Mas do ponto de vista de Bruxelas, os problemas negociais não têm apenas a ver com o novo quadro para a relação futura com o Reino Unido. Como insistiu o vice-presidente da Comissão, também continuam por resolver vários aspectos técnicos da implementação do acordo do “Brexit”, e “a janela de oportunidade está a fechar-se rapidamente”. Sefcovic lembrou esta segunda-feira que o período de transição termina em menos de cem dias e que os procedimentos e as infra-estruturas necessárias para a aplicação do novo regime na fronteira da Irlanda do Norte ainda não estão operacionais.

“A nossa principal mensagem é de que temos de acelerar o trabalho e garantir que todas as questões técnicas estão resolvidas até 1 de Janeiro de 2021”, disse. Além dos atrasos da estrutura que terá de ser montada para que os controlos fito-sanitários e aduaneiros entre a UE e o Reino Unido venham a acontecer fora da ilha da Irlanda (a solução prevista no protocolo anexo ao acordo de saída), Bruxelas está preocupada com os procedimentos de legalização dos cidadãos europeus que residem no Reino Unido — os direitos dos cidadãos foram o primeiro ponto acertado entre as duas partes no seu processo de divórcio.

Segundo Sefcovic, as preocupações foram levantadas por cidadãos e organizações não-governamentais, que constaram que as autoridades britânicas estavam a proceder a uma distinção entre os nacionais da UE no decurso do processo administrativo para a atribuição do estatuto de residente. “Os cidadãos estão a ser registados em diferentes categorias, isso é inadmissível. Não podemos ter duas classes distintas de beneficiários”, reclamou Sefcovic.

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