“Não nos podem derrotar”, garante Joshua Wong depois da detenção em Hong Kong

Num vídeo enviado ao PÚBLICO, o activista do movimento pró-democracia do território administrativo chinês diz que Pequim “quer silenciar a voz da dissidência”. Wong foi libertado sob fiança e irá a julgamento a 30 de Setembro.

Joshua Wong: "Não nos podem derrotar, só nos tornam mais fortes" PÚBLICO

Joshua Wong, figura de proa do movimento pró-democracia de Hong Kong, foi detido e libertado, sob fiança, esta quinta-feira, e terá de se apresentar a tribunal a 30 de Setembro. O activista assegurou, no entanto, que não tem “quaisquer arrependimentos” sobre a sua participação nos protestos dos últimos anos na região administrativa especial chinesa, contra a “ideologia autoritária” que diz estar a ser imposta pela República Popular da China.

Num vídeo enviado ao PÚBLICO, onde explica os pormenores da sua detenção e os próximos passos no processo judicial que lhe foi movido – pelos delitos de assembleia não autorizada e de violação de uma lei que proíbe os manifestantes de cobrirem o rosto durante os protestos de rua –, Wong explica que a sua “missão” é “fazer com que a voz de Hong Kong seja ouvida”, ainda que isso o leve a ser preso, como já aconteceu em 2017 e 2019.

“Mesmo podendo enfrentar as penas máximas – cinco anos de prisão por participação em manifestações não-autorizadas e um ano de prisão pela violação da lei anti-máscaras –, não tenho quaisquer arrependimentos. Não nos podem derrotar, só nos tornam mais fortes”, garantiu o activista, de 23 anos.

“Sei que a minha responsabilidade, o meu dever e a minha missão é fazer com que a voz de Hong Kong seja ouvida. É por isso que vou continuar a lutar. Não há razão para desistir agora”, acrescentou.

“Nada para celebrar”

As acusações contra Wong remetem-se a Outubro de 2019, um dos vários meses desse ano em que houve protestos massivos em Hong Kong, primeiro contra uma proposta de lei de extradição para a China – que a oposição a Pequim via como uma forma de perseguição política –, mas que depois evoluíram para um contestação mais alargada ao sistema político e à interferência chinesa no território semi-autónomo.

Muitos desses protestos culminaram em confrontos violentos com as autoridades. A lei anti-máscaras, que Wong terá violado, foi aprovada pelo governo de Carrie Lam para dissuadir os manifestantes de irem para a rua, com medo de serem identificados. 

Para além de Joshua Wong, foi ainda detido o activista Koo Sze-yiu, de 74 anos, acusado de participar na mesma manifestação, a 5 de Outubro do ano passado. 

Apesar de ter sido libertado sob caução, Wong assume que não sabe se conseguirá ficar em liberdade após a audiência marcada para o final do mês. Sobre a detenção, diz que foi tudo muito rápido e pouco transparente.
“Os agentes policiais prenderam-me e processaram-me rapidamente, sem me pedirem identificação ou darem pormenores”, conta, no vídeo.

“Mesmo tendo sido libertado, sob fiança, não há nada para celebrar. Não sei como irei conseguir outra fiança, a 30 de Setembro. No pior cenário, o governo [de Hong Kong] pode pedir a minha detenção”, admite um dos líderes do movimento de contestação de 2014 que ficou conhecido como a “Revolução dos Guarda-Chuvas”.

Wong, que foi recentemente impedido de se candidatar ao órgão legislativo de Hong Kong, acredita que a sua detenção e julgamento têm como objectivos “criar um efeito dissuasor” junto da população que exige reformas democráticas para Hong Kong e “tentar silenciar a voz da dissidência” antes do Dia Nacional Chinês (1 de Outubro).

Da falta de liberdade

Joshua Wong é uma dos principais rostos dos protestos contra as medidas adoptadas nos últimos anos pelo governo local – subordinado a Pequim –, que o activista e outros líderes do movimento dizem ser antidemocráticas e um sinal de uma cada vez maior intromissão da China nos assuntos internos da região administrativa especial.

Esteve preso em duas ocasiões e foi entrevistado recentemente pelo PÚBLICO, onde falou sobre a sua experiência na prisão, reflectiu sobre a crise de identidade da sua geração e recordou outros episódios marcantes da sua ainda muito curta vida como activista – que fazem parte do livro (Da Falta de) Liberdade de Expressão, editado em Portugal pela Bertrand.

Questionado, nessa conversa, sobre a possibilidade de voltar a ser detido, Wong respondeu: “Há o risco de sermos condenados a prisão perpétua ou de sermos extraditados para a China. E isso é terrível. Mas é um risco que sempre corri e que vou continuar a correr”.

O activista referia-se especificamente à controversa lei de segurança nacional, imposta pelo Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo, em Pequim, e implementada desde o final de Junho pelo executivo de Carrie Lam.

A lei prevê condenações que podem ir até à prisão perpétua para os crimes de secessão, subversão, terrorismo e conspiração com forças estrangeiras.

Para além disso, criou o Gabinete para a Salvaguarda da Segurança Nacional do Governo Central Popular na Região Administrativa Especial de Hong Kong, um órgão institucional chinês, que não está sujeito às instâncias judiciais do território e que tem poderes para enviar casos para a China continental, para serem apreciados e julgados por um poder judicial que responde apenas ao Partido Comunista.

Jimmy Lai, proprietário do jornal Apple Daily, é uma das figuras mais conhecidas do movimento pró-democracia que foram detidas no âmbito da nova lei. 

Para a oposição à China no antigo território britânico – devolvido à soberania chinesa em 1997 – e para Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido, NATO ou Japão, a legislação viola o princípio “um país, dois sistemas”, põe em causa a independência judicial de Hong Kong e dinamita o estatuto de semiautonomia da região, definido pela Lei Básica, que deveria vigorar até 2047, nos termos dos acordos sobre a transferência da soberania da região.

Foi a oposição de Wong a essa lei que lhe valeu a inabilitação para se candidatar às eleições para o Conselho Legislativo, inicialmente agendadas para este mês, mas adiadas por um ano pelo Governo.

O executivo justificou a decisão com o crescimento do número de casos de covid-19 em Hong Kong, mas a oposição acusou Carrie Lam de ter querido travar a dinâmica e o entusiasmo em redor do movimento pró-democracia que, segundo as sondagens, apontava à maioria parlamentar.

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