A nova fase de evolução do ensino a distância nas universidades

Passados 20 anos sobre a adequação ao Processo de Bolonha, é tempo de as universidades otimizarem os processos de aprendizagem, aprendendo a habitar num novo ecossistema e construindo um campus híbrido que lhes permita expandirem-se.

Neste artigo defendemos a necessidade de uma visão comum de transformação do sistema de ensino superior em Portugal, a partir da experiência de aprendizagem remota de emergência. Face à resposta dada na prática, a pergunta é esta: como devem as universidades pensar a sua relação com a aprendizagem a distância?

Com o olhar posto na reabertura dos campi, devemos evitar cair em duas tentações opostas: que as novas tecnologias digitais melhoram sempre os processos pedagógicos ou que necessariamente os prejudicam.

Foi prioridade das universidades adaptar-se à situação de crise garantindo respostas permanentes de aprendizagem e estando próximas das comunidades académicas. Tendo em conta que a maior parte das pessoas não estava familiarizada com as práticas da docência digital, houve novas experiências sobre as quais importa refletir, para que se capitalize o que de melhor se fez e para que as instituições integrem esses procedimentos nas práticas de ensino na “nova normalidade”.

As universidades inovaram nas estratégias de investigação e divulgação científica, na promoção da cidadania digital, na transferência de conhecimento, na desburocratização, na gestão administrativa e financeira, na internacionalização, na responsabilidade social, entre outras matérias. É tempo agora de aproveitarem o trabalho feito e de prepararem outras mudanças nas suas práticas que vão da gestão à ligação à sociedade, passando pela investigação, ensino e transferência de conhecimento já referidos.

O abandono de metodologias de aprendizagem centradas no docente, de baixa interação com os estudantes, deve ser o ponto de partida para o redesenho de práticas visando a integração de ferramentas digitais e a melhoria dos processos de aprendizagem. Passados 20 anos sobre a adequação ao Processo de Bolonha, é tempo de as universidades otimizarem os processos de aprendizagem, aprendendo a habitar num novo ecossistema e construindo um campus híbrido que lhes permita expandirem-se. É mais eficaz e racional passar a “remotos” (leia-se: a distância) todos os processos que não tenham valor diferencial por serem feitos num espaço físico.

Sendo professores de uma universidade centrada em práticas e processos de educação digital, mal estaríamos se não questionássemos o uso das tecnologias, mas reconhecendo que a situação de emergência global exige que se consolidem os processos de inovação nas formas de ensino a distância (total ou parcial) e se naturalize a cultura digital na educação superior. Esta oportunidade deve ser vista como um desafio institucional e como um repto para docentes, investigadores e estudantes. É a hora de apoiar a criação de incubadoras de novos programas de ensino flexíveis e de “laboratórios” permanentes de inovação docente, assim como de acelerar os processos de transformação académica – por exemplo, desenvolvendo experiências de aprendizagem centradas no estudante e não no perfil e saberes dos professores e gestores. Em matéria de Ensino a Distância, nem tudo, só porque é novo, é inovação. A experiência de muitos anos trabalhando numa universidade de educação a distância ensinou-nos que, embora surjam muitas ideias no processo criativo, as mesmas só podem ser concretizadas quando corporizem projetos sustentados e cumpram os padrões de qualidade da instituição.

É conhecida a tendência da Universidade para defender o passado – daí o nome de Claustro dado pelos espanhóis – mas que não deve ser uma aversão à mudança. É preciso abrir os horizontes para além do presente imediato da pandemia.

Este texto não é um receituário, mas uma forma de pensar em possíveis itinerários de navegação que sejam mais bússolas do que mapas para as instituições. Defendemos a partilha de propostas de novos conceitos e de práticas específicas por forma a que as universidades alterem definitivamente a sua relação com a aprendizagem a distância.

Num contexto difícil em que a diminuição do investimento no ensino superior é inevitável, não só por causa do travão na atividade económica, mas também porque o ensino superior não está entre as primeiras prioridades dos países, as universidades devem agir de forma a que a opinião pública e os decisores políticos compreendam que o seu desempenho na formação e investigação é crucial para a recuperação económica e social do país.

A reabertura das universidades deve respeitar o princípio da equidade, assegurando a todos o direito de acesso ao ensino superior, e o princípio da qualidade, melhorando a experiência e as práticas existentes.

A planificação da transição para a “nova normalidade” deve ter várias fases:

  1. deve garantir-se a continuidade pedagógica a distância através da criação de modelos de ensino híbridos;
  2. deve garantir-se que estudantes e professores têm equipamentos, serviços e aplicações adequados, bem como linhas de apoio permanentes, por via telefónica ou por internet;
  3. deve convencer-se o Estado a considerar o papel da educação superior, tanto presencial como a distância, nos planos de estímulo para a recuperação económica e social, estabelecendo um compromisso nacional e regras claras nesta matéria e fomentando a cooperação internacional;
  4. deve organizar-se a resposta das universidades aos problemas decorrentes da pandemia, não apenas pelo trabalho dos especialistas, mas pelo trabalho em rede de grupos interdisciplinares no processamento de dados na prevenção de doenças, na economia da saúde em geral, no transporte e mobilidade, nas redes de informação e comunicação, etc.;
  5. é necessário que as universidades sejam chamadas à construção de visões globais, como forma de serviço público. Sendo a pandemia global, são necessárias respostas sobre globalismos possíveis e alternativos. É a sociedade que precisa de receber informações rigorosas, que depois processará individualmente, mas são também os poderes públicos que devem ter o apoio permanente das universidades, para conhecerem a realidade e tomarem decisões coerentes;
  6. as universidades devem aprofundar o sentido da sua autonomia e responsabilidade institucional. A questão dos “exames” e provas de acesso é um assunto da competência das universidades e unicamente delas, pelo que devem desenvolver as diretrizes de comportamento para resolvê-los, tendo em conta que a aquisição de competências e conhecimentos é uma condição para a avaliação. Também as políticas de bolsas, de ação social e da carreira docente são “agenda” das universidades, que não podem ser capturadas por grupos de interesses.

Situações extraordinárias como a que vivemos exigem que se vá à raiz dos problemas e não permanecer à superfície. Essa é a grande responsabilidade das universidades no início de um novo ano letivo onde as mudanças têm de ser reais e efetivas.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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