O mar dos Açores transforma-se em arte com a cerâmica de Adolfo

Adolfo Mendonça tem 27 anos e vive na ilha Terceira, onde montou o seu atelier. A partir de lá, desenvolve peças de cerâmica inspiradas no imenso mar açoriano.

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Adolfo Mendonça DR
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Ouriços, cracas, recifes, conchas, baleias. A vastidão do oceano é a matéria-prima para a cerâmica de Adolfo Mendonça. Ele, jovem de 27 anos, que sempre quis viver ladeado pelo mar — não só pela inspiração, mas “porque não podia ser de outra forma”. “São peças arrojadas, com uma vertente minimalista, que procuram transmitir as belezas do oceano”, explica ao P3 o ceramista açoriano, natural da ilha Terceira.

Mas para Adolfo não basta usar o barro para recriar os seres vivos oceânicos. Esses, em certos casos, além de o inspirarem, servem para modular a própria formação das peças. Mas calma: o jovem apenas os usa quando já estão sem vida e ao abandono na praia. “Para fazer as tacinhas Ouriço utilizo exemplares de ouriços-do-mar, sem nunca danificar o exemplar, para carimbar a textura no interior”, diz. Já com as lapas cria um molde que dá depois origem a taças decorativas. No caso da recriação dos recifes, é tudo esculpido à mão. “Não existem duas taças recifes iguais”, ressalva. É a inspiração a ganhar corpo e o mar a fundir-se com a cerâmica.

Em qualquer dos casos, a “sustentabilidade” é uma “preocupação sempre presente”. Uma preocupação que se estende aos materiais recicláveis utilizados nos sacos e embalagens. E não são apenas os ouriços e as lapas que Adolfo vai buscar ao mar para usar como matéria-prima. Volta e meia, faz uma pausa no trabalho para ir dar um mergulho. Além de “ganhar a inspiração”, recolhe “pequenos vidros” e “vestígios de azulejos” espalhados pela costa, para do lixo velho fazer novo. “O vidro, ao derreter a grandes temperaturas no forno, cria um efeito espectacular”, acrescenta, explicando que normalmente transforma em colares aqueles vidros que outrora poluíam as praias. Ele ganha novos materiais e “sempre é uma forma de limpar” as praias da Terceira.

O encanto de trabalhar “com as mãos

Foi na garagem dos pais que montou o seu atelier, quando voltou a casa, concluída a licenciatura em Design de Equipamentos na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. O curso, diz, era “muito teórico”, baseado em “desenhar e mandar para fábricas” com intuito de “produção em massa”. “Sempre quis foi trabalhar com as minhas próprias mãos.”

O sempre remete para o período da infância, altura em que privilegiava as brincadeiras com o barro e com a plasticina. A própria vivência da família – o avô era fotógrafo amador e a mãe pintora – “tiveram uma grande influência” na carreira artística que viria a seguir. Mas foi a frequência à cadeira de cerâmica na licenciatura que o fez descobrir a “verdadeira vocação”: “Aí descobri o mundo da cerâmica e adorei.”

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Adolfo Mendonça tem 27 anos e vive na Terceira dr

Concluiu o curso em 2014 e nesse ano andou entre a ilha açoriana e a capital do país. Já com a intenção de abrir um atelier na terra natal, voltou a Lisboa, à mesma faculdade, mas com “outra perspectiva” — queria realizar cadeiras específicas na área da cerâmica para se “sentir mais bem preparado”. No ano seguinte, 2015, voltou de vez à Terceira, apesar de reconhecer as dificuldades de trabalhar na sua área numa ilha no meio do atlântico. “Procurei arranjar uma solução porque realmente queria regressar. Percebi que não ia conseguir viver em grandes cidades. Não são a mesmo a minha onda.”

As ondas de que gosta são mesmo as do mar. Mas, no ano do regresso, não começou logo a materializar os habitats marinhos em faiança portuguesa. Começou por fazer “biscates”, desenhando logótipos, cartões-de-visita e até projectos de interiores. O objectivo era “conseguir dinheiro” para comprar o equipamento para cerâmica, que exige um “investimento muito grande”.

O desafio de viver numa ilha

Conseguiu abrir o atelier em 2017. Tinha 24 anos. Desde daí, o mar, que lhe serve de inspiração, também lhe tem colocado obstáculos, apesar da “grande aceitação” por parte dos locais. “É muito difícil exercer a minha área aqui, sobretudo a parte logística: participar em mercados fora, apresentar o produto, mesmo a própria exportação não é muito fácil”, especifica, referindo ser um “desafio gigantesco” combater as “questões da insularidade”, sobretudo tratando-se de uma região com um “mundo artístico pequeno”.

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Por isso, uma parte significativa das vendas são feitas via redes sociais ou através do site. Foi o que fez uma turista austríaca que passou pelos Açores, viu as peças numa loja – estão disponíveis em espaços na Terceira, Pico e São Miguel mas não as quis transportar no avião. Agora, contactou-o para levar uma parte do mar dos Açores para casa.

É um exemplo demonstrativo das viagens que as peças de Adolfo fazem pela Europa. Viagens este ano interrompidas pela pandemia. Depois da participação em feiras de artesanato nas Canárias, Lisboa e Suíça, era suposto ir a Milão este ano. Não foi devido à covid-19. A somar a isso, as vendas das peças, que custam entre 5 e 345 euros, também diminuíram. “As coisas estão mais complicadas, ficou tudo em stand-by, também fui afectado”, afirma.

Para “dar a volta por cima”, Adolfo está a criar uma loja online, que espera ter pronta o mais rápido possível. Uma forma de também potenciar as vendas via Internet e de superar as barreiras de quem vive no meio do oceano. “Não é fácil o negócio aqui, mas o espaço, a paz, a tranquilidade e o mar acabam por compensar. Não ia conseguir ser feliz noutro lado.” E voltamos ao mar. É o eterno círculo de quem vive numa ilha.

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