Moria em chamas: Europa, Europa, de que é que estás à espera?

Com a crescente sobrelotação do campo, as condições degradantes passaram a desumanas, a esperança deu lugar ao desespero, e Moria tornou-se palco de violência, motins e incêndios.

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"As chamas que dizimaram o campo de Moria só se apagarão de forma cabal através da empatia" Reuters/ALKIS KONSTANTINIDIS

Caro leitor, não me responsabilizo pela carga emocional das palavras que irão dar corpo a este texto. Acabo de acordar com a notícia de um mar de chamas no campo de refugiados de Moria, na ilha de Lesbos, onde a minha alma ficou retida desde que lá fui voluntária, em 2016.

Já na altura, as condições do campo de Moria eram degradantes, mas a esperança na solidariedade europeia mantinha o brilho nos olhos de quem chegava a Lesbos em busca de proteção internacional. Com o encerramento das fronteiras e o acordo com a Turquia, ficou claro para os requerentes de asilo que a União Europeia não lhes iria estender a mão. E assim Moria se foi transformando num depósito de vidas interrompidas com o qual ninguém quer lidar. Com a crescente sobrelotação do campo, as condições degradantes passaram a desumanas, a esperança deu lugar ao desespero, e Moria tornou-se palco de violência, motins e incêndios.

Volvidos quatro anos, o que mudou? Quando ignoramos um problema, ele não se resolve: adensa-se. A sobrelotação do campo atingiu quase 13 mil pessoas (o quádruplo da capacidade do campo), o que em tempos de pandemia era uma tragédia anunciada. No dia 2 de setembro, confirmou-se o que mais se temia: o primeiro caso de covid-19 em Moria. A 8 de setembro, eram já mais de 30 os casos confirmados. O mar de chamas que nesse mesmo dia reacendeu em Moria surpreende alguém?

Adicione-se medo a condições desumanas e subtraia-se dignidade; a nível psicológico seria o equivalente em matemática a dois mais dois igual a quatro. A primeira memória que tenho de Lesbos é a de uma noite de inverno, caras assustadas e corpos enregelados, recém-saídos dos barcos e recém-chegados a Moria. “Refugiados”, diriam uns; “migrantes”, diriam outros – “seres humanos”, gostaríamos nós que dissessem se nos encontrássemos naquela situação. E não aprendemos que devemos tratar os outros da mesma forma que gostaríamos que nos tratassem a nós? Só que aprendemos também que “os outros” não somos “nós”. E continuamos a maltratar os outros, em nome dos nossos.

Assumindo a minha ignorância em termos de política e relações internacionais, diria, como académica na área da psicologia da paz, que as chamas que dizimaram o campo de Moria só se apagarão de forma cabal através da empatia. Imaginarmo-nos naquele mesmo barco recém-chegado a Lesbos, e perceber de uma vez por todas que, independentemente do passaporte, somos todos “nós”, seres humanos!

Como alcançar esta utopia? Deposito uma enorme esperança nesta geração que, além de ser educada para a matemática ou o português, é educada para os direitos humanos, a cidadania global ou a consciência ambiental. O ensino da empatia não deve ser menos importante do que o ensino da matemática: do que nos servirá a excelência técnica se não for usada em prol da humanidade?

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

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