O SNS em tempos de exceção

Quando mais de 40% dos doentes esperam por uma cirurgia em tempo aceitável, não assumir que temos um problema assistencial grave que exige uma profunda reforma hospitalar é desacreditar de vez o hospital público.

Vivemos tempos de exceção, a pandemia covid-19 tomou conta das nossas cabeças. Face à evolução imprevisível da situação infeciosa, tudo é equacionado em função da mesma, na Saúde em particular.

Se, no Serviço Nacional de Saúde (SNS), os problemas já eram muitos, hoje são avassaladores. O SNS vê-se obrigado a responder a mais uma exigência de saúde pública que, além de exigir respostas imediatas, requer um estado de alerta permanente a todos os níveis de cuidados de saúde.

A situação infeciosa gerou novas necessidades e fez avivar carências assinaladas no serviço público. Para lhe fazer face, são precisos mais meios técnicos e humanos, a carreira de Saúde Pública requer uma atenção particular atendendo à centralidade no combate à pandemia, a reforma da Medicina Familiar tem de ser continuada prosseguindo o objetivo de ultimar a cobertura nacional nesta especialidade e a sempre adiada reforma hospitalar tem de ser encarada “doa a quem doer”.

Quando mais de 40% dos doentes esperam por uma cirurgia em tempo aceitável, numa progressão geométrica de casos em lista de espera há mais de um ano (janeiro 27.494, março 37.223 e maio 44.780) e onze hospitais têm carências em dez ou mais especialidades (despacho n.º 7654-D/2020), não assumir que temos um problema assistencial grave que exige uma profunda reforma hospitalar, sendo insuficientes medidas avulsas para minimizar consequências, é desacreditar de vez o hospital público.

Somos o quinto país da OCDE em número de médicos, há um crescendo de profissionais indiferenciados por falta de capacidade formativa no público e no privado, e temos mais faculdades de medicina por milhão de habitantes que o proposto internacionalmente. Nestas circunstâncias, adiar reformas e justificar novas escolas médicas como meio de fazer face às gritantes desigualdades no acesso a cuidados de saúde é mesmo para épater le bourgeois.

Enquanto os profissionais se acotovelam para conseguir lugar num hospital privado, a maioria das vezes em acumulação de funções, o panorama no público é o descrito por dados oficiais (ACSS). Vivemos uma crise económica e social grave que exige um SNS reforçado, reserve-se então parte do anunciado financiamento adicional para fazer as reformas necessárias. Não podemos é continuar nesta paz podre de nada fazer de estrutural quando os sinais de degradação se acentuam.

É verdade que o combate à epidemia explica em parte o agravar das listas de espera hospitalares, não nos refugiemos, porém, em desculpas fáceis para nos perdoarmos por não ter tomado as medidas necessárias para salvar o hospital público.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção