Ricardo já não esconde a Parkinson: vai dar a volta ao mundo e procura co-piloto

Pilotou carros. Velejou. Escondeu a doença de Parkinson durante seis anos. Agora vendeu a empresa e montou uma associação que vai percorrer 150 mil quilómetros, 70 países e cinco continentes em 48 meses. E estão abertas candidaturas para o “melhor emprego do mundo”.

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Adriano Miranda

Quando a Fugas o conheceu, em Janeiro de 2018, Ricardo Oliveira vivia a bordo da sua Mathilda, ancorada na Afurada, em Gaia. Foi um dos nossos protagonistas porque trocara parte da sua vida para viver num barco, porque assim tinha a liberdade que queria, porque sonhava com uma vida simples, auto-suficiente, ecológica, humilde e aventureira. “Com um veleiro e com o vento dás uma volta ao mundo”, exclamava Ricardo, que já nesta altura escondia um segredo: a doença de Parkinson.

Empresário ligado à actividade náutica, já fez “mil e uma coisas na vida” e nunca foi “pessoa de baixar os braços nem de desistir”. Correu ralis durante 15 anos, agarrou nas velas pela adrenalina. “Os que me conhecem sabem bem as aventuras que já vivi, os caminhos que já percorri, os mares que já naveguei e os milhares de amigos que fiz ao longo destes anos todos. Desde sempre lutei para ser o que queria, como queria e ser o melhor naquilo que fazia. Mas desta vez o inimigo é forte, é duro, é rígido, é mesmo assustador.”

Aos 45 anos a vida fez-lhe uma “surpresa muito desagradável” que o fez “perder momentaneamente o Norte”. “Desde então a minha vida nunca mais foi a mesma”, explica à Fugas Ricardo Oliveira, com 51 anos, seis dos quais a tentar esconder a doença dos amigos. “Não foi de ânimo leve que partilhei a minha doença e o meu estado com aqueles que mais amo e que tão bem me querem”, diz, agora consciente de que o seu silêncio não o deixou evoluir no conhecimento da doença.

No início, confessa, ficou “Muito preocupado e receoso”, mas só depois de ler muito sobre a doença é que entendeu que poderia “continuar a viver bem,” desde que sempre bem medicado, com uma alimentação saudável e praticando com regularidade exercício físico. “Em suma, o que qualquer um de nós, doente ou saudável, precisa de ter como orientação no seu dia-a-dia.”

Mais ou menos ao mesmo tempo, Ricardo percebeu que a doença “não era uma sentença”, mas sim um alerta. “Um aviso para afinar as velas do meu barco, que é a vida que sempre vivi”, diz hoje o empresário, que então decidiu avançar, vender a Sailing 360 ("os barcos ainda são meus") e montar a Associação Contratempo Invertido Parkinson Portugal (ACIPP), cuja bandeira será uma Volta ao Mundo a bordo de uma autocaravana, Viagem de um Contratempo Invertido (PKS - The Van Tour World Cause) que nasceu com o objectivo de espalhar e divulgar informação sobre a doença de Parkinson.

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A meio de uma “luta constante contra a doença” Ricardo teve o “privilégio” de conhecer o médico Joaquim Ferreira, neurologista e director do Campus Neurológico Sénior, que lhe lançou o desafio. “Porque não lutar por uma causa e fazer dela mesma a minha causa e a minha luta?”

O plano começou por uma longa viagem de veleiro, mas duas razões fortes levaram à troca por uma autocaravana. A sua condição física: “A minha força e o equilíbrio não são os mesmos. A minha condição física não vai para melhor a não ser que apareça um medicamento revolucionário.” A mobilidade durante a epopeia: “Quero ir por aí fora. E por terra consigo ir a qualquer lado.”

A aventura, que “começou numa brincadeira” rapidamente se transformou “numa coisa muito séria”. No projecto estão agora envolvidas dez pessoas, duas delas a tempo inteiro e para além do próprio Ricardo, que pretende arrancar a meados de Fevereiro de 2021 numa expedição que pretende começar em Portugal ("de Norte a Sul") e atravessar a Europa (35 países) ao longo de 22 mil quilómetros. A viagem terá um segundo momento do outro lado do Atlântico. Ao todo, pretende percorrer 150 mil quilómetros, 70 países e cinco continentes em 48 meses

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A Mercedes vai ser transformada antes de atravessar 35 países DR

“Vou pelo mundo fora à procura de outras experiências”, lança Ricardo, que se faz munir de informação técnica, apoio jurídico (advogados a custo zero é um dos serviços que a associação disponibiliza, bem como psicóloga, terapeutas, fisioterapeutas e dentista a custo zero) de apoio ao combate ao Parkinson e meios de detecção precoce da doença. “É muito grave a falta de informação e o desconhecimento. Há muitas pessoas que acham que Parkinson e Alzheimer é a mesma coisa. Queremos que as pessoas não caiam no erro em que eu caí. Não escondam. A Parkinson não se passa de umas pessoas para as outras. Queremos que as pessoas saiam do buraco. Desafiamos as pessoas a dizerem que têm Parkinson.”

O meio de transporte, uma Mercedes Sprinter 4x4 cujo interior será alterado em Portugal, está a caminho. Na sua página de Facebook, a associação lançou um anúncio para o “melhor emprego do mundo” em que procura o co-piloto para esta viagem. São 48 meses, mais de 150 mil quilómetros e alguns pré-requisitos. Ricardo e a sua equipa procuram uma pessoa espírito de aventura, responsável, tranquila, desenrascada, boa comunicadora, com carta de condução e confortável com as novas tecnologias. “Quem sabe não tens aqui a aventura de uma vida?” Os interessados terão que enviar um vídeo de um minuto (por email) com a apresentação e motivações.

A expedição continuará à procura de investidores, disponibilizando para o efeito diferentes espaços publicitários no exterior da autocaravana.

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Adriano Miranda
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