Saúde Pública: quando a insensatez ganha asas

Nos últimos dias, assistimos, em vários países europeus, ao aparecimento de movimentos de protesto contra várias das medidas necessárias para minimizar os efeitos da pandemia. O alastramento deste tipo de movimentos, sem racionalidade explícita e compreensível, tem um grande potencial de tornar tudo mais difícil num futuro muito próximo.

1. A arte mais exigente da Saúde Pública é percorrer o estreito caminho entre proteger a saúde das pessoas (princípio da precaução) e ao, mesmo tempo, evitar excessos na natureza e oportunidade das medidas a adotar, que possam ter, desnecessariamente, consequências negativas no bem-estar económico e social de uma comunidade. A necessidade de aperfeiçoar esta arte difícil tem sido, no decorrer da história da Direção-Geral da Saúde, uma preocupação constante dos seus técnicos e dirigentes como traço marcante da sua cultura institucional.

2. No decurso da pandemia covid-19, a busca constante do equilíbrio entre aqueles dois princípios da ação da Saúde Pública, tornou-se uma exigência constante, particularmente complexa e facilmente criticável, tanto por aqueles que querem mais autoridade na resposta ao desafio pandémico, como por aqueles que defendem uma maior autonomia nas práticas sociais e económicas. Com frequência tanto uns como outros não reconhecem que os juízos que buscam aquele equilíbrio dependem do conhecimento científico profundo sobre a natureza da ameaça, as expectativas sobre o comportamento humano face aos riscos em causa, a informação precisa sobre a situação real da epidemia em cada momento e a capacidade em antecipar a evolução dessa situação epidémica. É bom recordá-lo. E este é o momento em que isso parece ser mais necessário.

3. E apesar disso, nos últimos dias, assistimos, em vários países europeus, ao aparecimento de movimentos de protesto contra várias das medidas necessárias para minimizar os efeitos da pandemia – do uso da máscara aos diversos procedimentos de distanciamento social – antes da disponibilidade de uma vacina eficaz e segura. O alastramento deste tipo de movimentos, sem racionalidade explícita e compreensível, tem um grande potencial de tornar tudo mais difícil num futuro muito próximo.

4. Expressão extrema, desse caminho insensato, manifestou-se entre nós no passado fim de semana, através de cronista habitual de semanário de larga circulação, intitulado “A nova PIDE/DGS ao serviço do fascismo”. Estabelecer um qualquer paralelo, mesmo artificial ou simbólico, entre a PIDE de Oliveira Salazar, a DGS de Marcelo Caetano e a DGS de Direção-Geral de Saúde, deixa de ser um ponto de vista admissível, para ser um exercício pejorativo. Exercício pejorativo sublinhamos, quer para o conjunto da Saúde Pública quer, ainda, para portugueses e africanos das antigas Colónias que suportaram diretamente a repressão da polícia de Salazar e de Caetano, mas, também para Portugal que sofreu as suas consequências.

Em tempo normal, tais expressões não mereceriam a perda de tempo de lhes prestar qualquer atenção. Mas estes não são “tempos normais”.

A insensatez pode, facilmente, ganhar asas.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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