Coluna vertebral: quando aquilo que nos apoia falha

O teletrabalho, com qual muitos de nós tivemos que conviver por alguns meses, veio destruir o equilíbrio instável em que a coluna vertebral do adulto em idade laboral, da maioria da população portuguesa, vivia.

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"Com o confinamento todos fomos obrigados a restringir a nossa actividade física" Paulo Pimenta

A coluna vertebral é constituída por 33 vértebras que se articulam entre si por articulações particulares chamadas discos intervertebrais e que funcionam simultaneamente como amortecedores da coluna, quando caminhamos e nos mantemos de pé. No entanto, este conjunto de ossos e discos “empilhados”, só funciona se de facto a musculatura que os suporta estiver activa e equilibrada nas suas capacidades, para dar resposta aos desafios que lhe são solicitados nas nossas tarefas do dia-a-dia. Para assegurar este equilíbrio, a coluna, como outras regiões do esqueleto, necessita de exercício regular. Devemos fazê-lo, não só através das tarefas da actividade da vida diária, como também através de exercício físico complementar frequente, fundamental para nos mantermos activos e sãos.

Com o confinamento todos fomos obrigados a restringir a nossa actividade física. Os mais disciplinados tiveram o cuidado de regularmente em casa ir seguindo programas de exercício físico pela Internet e, desta forma, conseguiram não parar toda a actividade física, tão importante para o bem-estar. Com o retomar das consultas de patologia da coluna vertebral tivemos oportunidade de observar um incremento das dores nas costas, em grande parte consequência da vida sedentária que nos foi imposta.

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde sabemos que a incidência da lombalgia ronda os 60 a 70% na população dos países industrializados, com um pico entre os 35 e os 55 anos de idade, sendo por isso mais vulneráveis os adultos em idade laboral e sendo também mais frequente no sexo feminino. Sabemos que a lombalgia está entre as dez causas de “doenças” frequentes que mais contribuem para o aumento global do número de anos com perda de qualidade de vida (DALY), facto que está associado não só a inúmeros dias de falta ao trabalho, como também a um elevado custo para os serviços de saúde envolvidos na assistência a este tipo de doentes.

Por outro lado, o aumento da incidência da lombalgia na população activa (15 aos 65 anos) aumenta de uma forma linear com a idade, diminuindo depois dos 60 anos, talvez porque o tipo de solicitações ocupacionais também se modifica, na maioria das circunstâncias. A partir da terceira década de vida é cada vez mais frequente encontrarmos alterações degenerativas incipientes em diversos locais do sistema musculoesquelético e a coluna vertebral não escapa a esta patologia, que vai aumentando à medida que os anos passam. Com o envelhecimento da coluna vertebral vão-se multiplicando estas lesões de desgaste dos discos intervertebrais com roturas dos mesmos e consequentes hérnias discais, colapso discal e fenómenos de instabilidade segmentar entre as várias vértebras adjacentes. Uma vez que os discos intervertebrais se tornam “incompetentes” para as suas funções de estabilidade entre as vértebras, o que lhes dá suporte de uma forma cada vez mais preponderante é a massa muscular da coluna, dos ombros (cintura escapular), das ancas (cintura pélvica) e do abdómen.

No que diz respeito à etiologia específica da lombalgia, sabemos que é multifactorial, pesando factores pessoais, como o perfil da coluna vertebral e a constituição física, e factores ambientais, como por exemplo o tipo de actividade e posicionamento laboral.

O teletrabalho, com qual muitos de nós tivemos que conviver por alguns meses, veio destruir o equilíbrio instável em que a coluna vertebral do adulto em idade laboral, da maioria da população portuguesa, vivia. A má posição de trabalho ao computador, especialmente em computadores portáteis e por longuíssimas horas, acrescido à falta de intervalos para caminhar ou fazer exercício, veio trazer um aumento da incidência das dores nas costas, tanto na região lombar, como na região cervical. Este factor postural foi também agravado, em muitos casos, pelo aumento do peso que determinou uma sobrecarga articular das facetas da coluna lombossagrada (região antes da bacia), bem como dos discos com alterações degenerativas que rapidamente se tornaram sintomáticos. Em algumas casas onde as tarefas domésticas não foram partilhadas, a incidência de raquialgias no sexo feminino é ainda superior, pelo agravamento da postura e sobrecarga, que muitas destas tarefas domésticas exigem.

Na tentativa de obviar e ultrapassar este cenário sugiro actuar em simultâneo em duas vertentes. Por um lado, se o futuro prevê mais teletrabalho, há que investir na ergometria do posto de trabalho, mesmo em casa, e estabelecer horários de intervalo para pausa, bem como para a prática de uma actividade física, como o caminhar e outras actividades complementares que trabalhem e fortaleçam a massa muscular que suporta a coluna vertebral – extensores da coluna, cintura escapular, cintura pélvica e abdómen. Por outro lado, o esclarecimento daquela dor que não passa e que surgiu durante o confinamento não deve ser adiado. Embora, como expliquei, grande parte destes quadros dolorosos do ráquis sejam de origem postural, nem todos o são e por isso é obrigatório esclarecer a dor que não passa e, em particular, aquela que não nos deixa dormir.

A sensação de que os hospitais são hoje locais de persona non grata, não é verdade! Os hospitais continuam a cuidar bem de quem precisa e cumprem hoje as regras de segurança sugeridas pela Organização Mundial de Saúde e impostas pela Direcção-Geral de Saúde, sendo por isso locais seguros para recorrermos quando necessitamos. Inclusive, muitos dos hospitais modernos registaram com o contexto de Pandemia um upgrade tremendo em diversas áreas tecnológicas, em particular em áreas como o cuidar à distância e na optimização das condições para doentes em ambiente de consultas ou exames.

Cuidar da coluna é cuidar daquilo que nos suporta e nos apoia na locomoção. Adiar ou ignorar um problema de saúde pode ter um custo humano catastrófico que não devemos correr!

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