Noite de distúrbios no Wisconsin após mais um caso de violência policial

Polícia anti-motim usa gás lacrimogéneo para forçar o cumprimento do recolher obrigatório, imposto depois de um agente ter baleado um cidadão negro, Jacob Blake, pelas costas e à queima-roupa.

Várias lojas foram queimadas, vandalizadas e pilhadas em Kenosha
Fotogaleria
Várias lojas foram queimadas, vandalizadas e pilhadas em Kenosha Reuters/STEPHEN MATUREN
Até ao início da noite, os protestos foram pacíficos
Fotogaleria
Até ao início da noite, os protestos foram pacíficos EPA/TANNEN MAURY
Dezenas de veículos foram queimados, incluindo um camião de lixo que foi mobilizado para cortar o trânsito
Fotogaleria
Dezenas de veículos foram queimados, incluindo um camião de lixo que foi mobilizado para cortar o trânsito EPA/TANNEN MAURY

Os protestos na cidade norte-americana de Kenosha, no estado do Wisconsin, em resposta a mais um caso de violência policial contra um cidadão negro, tornaram-se violentos ao cair da noite de segunda-feira depois de um início pacífico em frente ao tribunal local. Durante as primeiras horas desta terça-feira, várias lojas e restaurantes foram pilhadas e queimadas, o que deixou os habitantes locais divididos entre a defesa da revolta e a condenação dos distúrbios.

Assim que o recolher obrigatório entrou em vigor, às 20h de segunda-feira (hora local, 2h de terça-feira em Portugal continental), a polícia de intervenção começou a lançar gás lacrimogéneo contra a multidão, que se manifestava de forma pacífica em frente ao tribunal do condado de Kenosha, mas que resistia às ordens para se retirar.

Nas horas seguintes, centenas de pessoas começaram a juntar-se aos protestos e a situação ficou fora de controlo. Segundo os jornais norte-americanos, várias lojas foram vandalizadas e pilhadas – e pelo menos um supermercado, um estúdio de tatuagens e outras duas lojas, uma de móveis e outra de tecnologia, foram destruídas por fogo posto. Dezenas de veículos foram também queimados, incluindo um camião de lixo que estava a cortar o trânsito.

“Esta é a nossa cidade”, disse Mike Mehlan, um habitante de Kenosha, de 33 anos, ao New York Times. “As pessoas perderam completamente a cabeça.”

De acordo com Mehlan, pelo menos 20 automóveis pararam em frente a uma estação de serviço e os seus ocupantes saíram para vandalizar, pilhar e incendiar esse e outros estabelecimentos comerciais.

“O nosso bairro é pobre”, disse ao Washington Post outra moradora, de 69 anos, que se identificou apenas como Debbie e que trabalhava no supermercado destruído pelo fogo. “Alguns de nós não ganhamos o suficiente, e agora ficámos encurralados.”

"Tem de ser feito"

Mas outros habitantes de Kenosha mostraram-se mais compreensivos, acusando a polícia de ser responsável pelos distúrbios.

“Acho que ninguém deve destruir nada, mas os polícias têm de começar a justificar o seu salário”, disse Brandel Gordon, de 26 anos, ouvido pelo Washington Post. “Esta cidade precisa de uma reforma social.”

“É uma pena, mas tem de ser feito”, disse Wayne Gardner, outro residente em Kenosha, ao New York Times.

O recolher obrigatório foi imposto na segunda-feira pelo governador do Wisconsin, Tony Evers, do Partido Democrata. O responsável mobilizou também a Guarda Nacional do estado para ajudar a polícia a enfrentar os protestos, que começaram depois da divulgação de um vídeo amador em que se vê um homem negro, Jason Blake, a ser baleado várias vezes pelas costas por um polícia.

Blake, de 29 anos, foi baleado à queima-roupa no momento em que tentava entrar numa carrinha pelo lado do condutor, e onde estavam sentados, no banco de trás, os seus três filhos, de três, cinco e oito anos. O homem foi transportado para o hospital em estado crítico, mas não corre risco de morrer dos ferimentos.

De acordo com declarações do pai ao Chicago Sun-Times, o filho foi atingido oito vezes e está paralisado da cintura para baixo, não sabendo ainda os médicos se essa condição é permanente ou apenas transitória. “Que razão tinham para todos esses tiros?”, questionou o pai, também chamado Jacob Blake. “Que razão tinham para fazer isso em frente aos meus netos? Que andamos a fazer?”

O caso está a ser investigado pelo Departamento de Justiça do Wisconsin, que promete anunciar uma decisão nos próximos 30 dias sobre se vai avançar para uma acusação formal, ou se não encontrou indícios e manda arquivar o processo. Enquanto isso, dois agentes envolvidos foram suspensos e ficam a aguardar o resultado das investigações fora de serviço.

Novas leis

Nas últimas horas, o governador do Wisconsin surgiu em público a criticar a acção da polícia e agendou uma sessão especial do Congresso do estado para 31 de Agosto, com o objectivo de discutir um novo pacote legislativo para “garantir o cumprimento das promessas de equidade e justiça”.

“Temos de nos erguer à altura deste movimento e deste momento, com a nossa empatia e o nosso humanismo, e com o compromisso de quebrar o ciclo de racismo sistémico que tem devastado as famílias e as comunidades negras”, disse Tony Evers.

Apesar da violência da noite de segunda para terça-feira, os jornais norte-americanos dizem que os distúrbios aconteceram numa zona muito limitada da cidade de 100.000 habitantes, e que em outros pontos de Kenosha os residentes nem sequer se aperceberam do que estava a acontecer.

Para além dos protestos em Kenosha, houve também manifestações na capital do Wisconsin, Madison, e em cidades como Portland, no estado do Oregon; Los Angeles (Califórnia); e Nova Iorque.

Título alterado às 16h20. Título original: Noite de distúrbios no Wisconsin reacende protestos anti-racismo nos EUA.

Sugerir correcção