Primeiro acampamento militar romano do Norte do país revelado por tecnologia para prevenir incêndios

Campanha arqueológica na serra do Soajo, no Parque Nacional da Peneda-Gerês, confirmou a existência de estrutura presumivelmente datada do século I a.C.

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Montanha onde foi descoberto o acampamento já foi alvo de trabalho de campo, no início do mês

Num afloramento granítico a 1.416 metros de altitude, em plena serra do Soajo, no Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG), os traços visíveis sobre a rocha formam um rectângulo de 1,5 hectares com vértices arredondados, sugerindo que ali existiu uma muralha. Essas marcas afloraram graças à campanha arqueológica que decorreu entre 03 e 07 de Agosto, comprovando a descoberta do primeiro acampamento militar romano no Norte do país, possivelmente do século I a.C.. “Só pela forma do sítio e das entradas em clavícula no alto da Pedrada, eu já punha as mãos no fogo de que se tratava de um acampamento. Com a evidência reunida no trabalho de campo, temos a certeza disso”, afirmou ao PÚBLICO João Fonte, o arqueólogo que liderou a campanha.

A chave para a descoberta foi o LIDAR, uma tecnologia que produz mapas de alta resolução com laser, adquirida pela Comunidade Intermunicipal (CIM) do Alto Minho com outra finalidade, em 2018, por cerca de 150.000 euros. “Havia fundos comunitários disponíveis para adquirirmos esta tecnologia. A CIM comprou-a para ordenamento do território, nomeadamente das florestas, por causa dos incêndios”, recorda Nuno Soares, arqueólogo da Câmara Municipal dos Arcos de Valdevez. Mas a ferramenta podia também sustentar a criação de uma “carta arqueológica e patrimonial” do distrito, acrescenta o responsável.

Investigador do Roman Army, grupo que estuda a presença militar romana no noroeste da Península Ibérica – do Norte de Portugal à Cantábria -, João Fonte trabalha regularmente com imagens de satélite, fotografia aérea e imagens produzidas pelo LIDAR. Quando soube do varrimento aéreo sobre o distrito de Viana do Castelo, em 2018, pediu autorização à CIM do Alto Minho para estudar os dados recolhidos. Capaz de fornecer “mais detalhes sobre as microtopografias do terreno” e de “obter informação sobre o que está oculto pela vegetação”, o LIDAR tornou real a hipótese do acampamento romano. “Se tivesse ido a campo antes de verificar aquele sítio numa imagem aérea, eu não conseguiria identificá-lo”, reconhece o arqueólogo.

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Imagens obtidas a partir do varrimento laser da superfície da montanha DR

Face à informação apurada, a Câmara Municipal dos Arcos de Valdevez financiou com 15 mil euros uma campanha no terreno, que mereceu ainda o contributo de alguns arqueólogos galegos e da empresa Era Arqueologia. “Queria fazer um trabalho rápido, que nos pudesse dar logo resultados”, explica João Fonte. Após uma semana de sondagens, prospecções geofísicas e reconhecimentos via drone, a equipa deduziu que o acampamento data do século I a.C., até pelas parecenças exibidas com o acampamento de Penedo dos Lobos, em Manzaneda, na província galega de Ourense. “Em Ourense, identificámos duas moedas datadas de 25 e 22 a.C.. E o sítio era quase idêntico, numa zona de serra”, diz, acerca do sítio estudado em 2018.

A investigação no alto da Pedrada encerra ainda “mais perguntas do que respostas”, admite João Fonte, mas a equipa que lá esteve crê que aquele foi um local de ocupação temporária. E se aquela estrutura não integrou uma das linhas do exército romano durante a conquista do noroeste da Península Ibérica, finalizado com as Guerras Cantábricas (29 – 19 a.C.), então para que serviu? Há várias hipóteses, admite João Fonte; pode ter servido para prospecção de recursos, para reconhecimento do território, para conter a rebelião de um grupo nativo ou até para treinar soldados recrutados à população nativa, descreve. As sondagens no alto da Pedrada encontraram apenas uns fragmentos de chumbo que ainda vão ser datados, frisou.

Uma história por desvendar

Arqueólogo há 15 anos, João Fonte sempre se interrogou bastante sobre o que aconteceu entre os romanos e as populações nativas, principalmente no Norte de Portugal e na Galiza. O investigador crê que há ainda muito por descobrir sobre a presença romana naquela região durante os séculos II a.C. e I a.C.. “Ainda sabemos muito pouco sobre o que aconteceu entre o exército romano e as comunidades indígenas. Podemos reescrever parte da história ou acrescentar novos dados ao que já se sabia”, realça.

O LIDAR pode impulsionar o conhecimento sobre esse período da história, até pelas dezenas de sítios já identificados em Espanha, país totalmente coberto pelo sistema, diz João Fonte. Em Portugal, a CIM do Alto Minho é a única com cobertura total, adianta o presidente da Câmara dos Arcos de Valdevez, João Esteves. Com o recurso ao LIDAR no resto do território nacional, a “identificação de novos sítios arqueológicos” iria “crescer exponencialmente”, vinca o investigador.

O próximo passo na demanda de João Fonte pelo conhecimento daquele período está agendado para Setembro; vai realizar uma campanha em Lomba do Mouro, um sítio arqueológico dividido entre Portugal e Espanha, que pode ter sido um acampamento militar romano de 25 hectares. “A cerca de oito a dez quilómetros a sul de Lomba do Mouro, na mesma linha de serra, há um outro sítio de dimensões semelhantes. Podia ser uma linha de avanço. Para nós, vai ser interessante perceber de quando”, antecipa.

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