Quando a residência alternada deixa de funcionar

O recurso ao tribunal surge como uma solução limite e que representa, há que reconhecê-lo, um falhanço de ambos os pais naquela que é a sua primeira missão: acautelar os melhores interesses de seus filhos.

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Martin Henrik

A residência alternada dos filhos de pais separados ou divorciados está na ordem do dia. A Assembleia da República retomará em breve a discussão de diversos projetos partidários que visam consagrá-la como solução legal preferencial. Muitas crianças encontram-se já a viver neste regime, seja por acordo dos pais, seja porque um tribunal o decidiu por sentença. Mas o que acontece quando a residência alternada, depois de fixada inicialmente, se vem a revelar inadequada?

Poderá suceder, por exemplo, que o pai ou mãe se mude para uma outra cidade, ou até para o estrangeiro, tornando assim impraticável o regime. Como se compreende, a residência alternada implica alguma proximidade entre as residências de ambos os progenitores.

As relações entre o pai e a mãe poderão deteriorar-se de tal forma que a residência alternada induza um grande stress e sofrimento na criança, como sucede nos casos de violência doméstica. A sujeição da criança ao conflito parental constitui um evento traumático muito relevante e a residência alternada poderá potenciar a exposição a esse conflito, fruto, desde logo, das constantes interações que impõe aos progenitores.

Um dos progenitores poderá revelar não possuir capacidades parentais para ter consigo os filhos neste regime, mas apenas por curtos períodos de tempo. Um pai ou mãe que descure sistematicamente a saúde das crianças (não ministrando medicação ou não assegurando tratamentos), ou as suas obrigações escolares, não terá capacidades parentais que lhe permitam tê-las ao seu cuidado por períodos de tempo significativos.

Poderá, enfim, suceder que um dos progenitores passe a padecer de doença física ou mental que o impeça de cuidar dos filhos.

Nestes casos, em que a residência alternada deixa de corresponder ao interesse das crianças, que soluções poderão existir?

Em matéria de filhos, e como é evidente, a solução primeira deverá ser encontrada pelos próprios pais. Ninguém, na realidade, está em melhores condições para decidir o futuro das crianças senão os seus familiares mais próximos. Esse acordo deverá prever um regime de residência em moldes que melhor se adequem às novas circunstâncias.

Se os pais não conseguirem, sozinhos, um acordo relativamente ao regime de residência da criança, poderão recorrer à mediação familiar. Neste caso, os progenitores são auxiliados por um profissional, o mediador, cuja missão é viabilizar o diálogo entre as partes e facilitar a obtenção de consensos.

Uma vez decidida a alteração pelos pais, a mesma deverá ser formalizada em acordo escrito e homologada por um Conservador do Registo Civil, após parecer positivo do Ministério Público.

Na eventualidade, porém, de os pais não conseguirem chegar a um entendimento, com ou sem recurso à mediação, a solução terá de ser tomada pelo tribunal de família e menores. Uma vez constatada a inadequação do regime da residência alternada, a sentença irá fixar um regime de residência exclusiva em que a criança reside maioritariamente com um dos progenitores e convive com o outro de acordo com um calendário pré-definido.

A residência alternada pressupõe um mínimo de requisitos necessários ao seu funcionamento. Se algum desses requisitos deixa de se verificar ao longo do tempo, os pais deverão, de boa fé, tentar encontrar uma outra solução consensual. O recurso ao tribunal surge, assim, como uma solução limite e que representa, há que reconhecê-lo, um falhanço de ambos os pais naquela que é a sua primeira missão: acautelar os melhores interesses de seus filhos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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