Regionalização e CCDR: primeiro a tragédia e depois a farsa

Portugal é um dos países mais centralizados da Europa. Isto não significa só a existência de um governo que quer decidir sobre tudo ao mesmo tempo, seja importante ou não, significa também que o único centro político de decisão relevante em Portugal continental é a capital, Lisboa

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Novas CCDR não vão alterar o centralismo do país, escrevem os autores LUSA/RODRIGO ANTUNES

O Presidente da República promulgou o Decreto-Lei que estabelece a eleição indireta dos presidentes das Comissões de Coordenação do Desenvolvimento Regional (CCDR) e logo de seguida já noticiava o Público as negociações entre PS e PSD para a escolha dos lugares.

A eleição indireta dos Presidentes das CCDR tem sido apresentada como uma medida de democratização a nível regional, mas infelizmente a realidade não podia estar mais longe disso.

Desde logo este modelo tenta substituir, toscamente, o imperativo constitucional de criação das regiões administrativas. Esta reforma não se trata de uma verdadeira regionalização ou sequer descentralização.

É preciso recordar que a regionalização tem tido uma história atribulada no nosso país. Desde 1976 que a Constituição prevê a criação de Regiões Administrativas, autarquias locais intermédias entre os municípios e o Estado Central. Porém, o processo de regionalização só avançou verdadeiramente nos anos 90 com a aprovação em 1991 da Lei-Quadro das Regiões Administrativas. Em 1997 por acordo entre PSD, na altura liderado pelo atual Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa e do PS, liderado por António Guterres, a Constituição passou a prever a obrigatoriedade de realização de um referendo antes da instituição em concreto das regiões administrativas. Esse referendo, como é conhecido de todos, teve lugar em 1998, depois de PS, PCP e PEV terem acordado a criação de 8 regiões administrativas.

Depois de uma tentativa de boicote do processo por PSD e CDS, dirigindo os seus autarcas a não participarem nos processos consultivos, e de uma campanha pouco esclarecedora, a regionalização foi rejeitada num referendo em que a esmagadora maioria dos portugueses não foi sequer às urnas. Desde então que o PS desistiu de ser o partido da regionalização, tendo enveredado desde 2015 numa alegada descentralização que visa remendar a falta que fazem ao nosso país das regiões administrativas.

Portugal é um dos países mais centralizados da Europa. Isto não significa só a existência de um governo que quer decidir sobre tudo ao mesmo tempo, seja importante ou não, significa também que o único centro político de decisão relevante em Portugal continental é a capital, Lisboa. Juntamos a isto a fraca capacidade de ação de muitas autarquias locais (principalmente por falta de recursos financeiros) especialmente no interior e temos como resultado uma orgânica administrativa que apenas encoraja a tendência centenária do nosso país de um litoral sobre-povoado e um interior que se sente cada vez mais abandonado.

A necessidade da regionalização é conhecida e reconhecida pelos principais atores políticos. Em 2019 a Comissão Independente para a Descentralização criada pela Assembleia da República identificou custos em termos de eficácia, eficiência e equidade das decisões políticas, sacrificados ao centralismo.

No entanto esta reforma aprovada por PS e PSD não podia estar mais longe do que consideramos necessário para Portugal.

A alegada democratização que trará é, também ela, uma farsa. O colégio eleitoral que escolherá os Presidentes das CCDR será composto pelos Presidentes das Câmaras Municipais, Deputados Municipais e Presidentes de Juntas de Freguesia. Significa isto que PS e PSD continuarão a dominar as nomeações para estes lugares. A própria apresentação de candidaturas é limitada ao apoio prévio por parte de 10% do colégio eleitoral, garantindo que grande parte da oposição não pode sequer ir a jogo. Numa frase: a pretensa democratização não passa de teatro político.

Por fim, é também questionável que a divisão territorial das cinco CCDR (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve) corresponda às necessidades de descentralização. No mínimo deveria existir uma debate alargado na sociedade civil sobre esta matéria.

Em todos os aspetos possíveis esta é uma má reforma, e uma que irá inviabilizar a médio prazo a regionalização em Portugal, apenas porque a direção do Partido Socialista prefere seguir atalhos que não gerem um choque com o Presidente da República (conhecido anti-regionalista) e está tão desligada da sua base social de apoio que não equaciona sequer a hipótese de lançar o processo de regionalização e do referendo.

Ao contrário, o LIVRE defende um modelo de regionalização radicalmente diferente: baseado na eleição direta dos responsáveis políticos, que responderão assim diretamente aos cidadãos e não a interesses partidários e terão legitimidade democrática para gerar estratégias e políticas próprias para cada território. Defendemos também que se avance com o processo de referendo à regionalização, lançando previamente um amplo debate sobre as necessidades e delimitações, territoriais e de competências, das Regiões Administrativas. É possível e é necessário. Só é preciso quem o faça.

Paulo Muacho, Deputado Municipal em Lisboa e membro do LIVRE

Patrícia Gonçalves, Deputada Municipal em Lisboa e membro do Grupo de Contacto do LIVRE

Mário Gaspar, Deputado Municipal em Felgueiras e membro da Assembleia do LIVRE

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