Estudo confirma degelo recorde na Gronelândia em 2019

Perda do manto de gelo da Gronelândia em 2019 excedeu em 15% o anterior recorde de degelo registado em 2012. Só no ano passado, esta ilha árctica perdeu cerca de 532 mil milhões de toneladas de gelo.

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Fendas no glaciar de Helheim, perto de Tasiilaq, na Gronelândia, em Junho de 2018 Lucas Jackson/Reuters

Nos últimos anos, o degelo da Gronelândia tem contribuído de forma decisiva para a subida do nível do mar. Entre 2005 e 2017, a água produzida pela fusão do gelo acrescentou 0,76 milímetros ao nível do mar por ano, o equivalente a um total de mais de três milímetros de aumento do nível médio global do mar no mesmo período. Um estudo publicado agora na revista científica Nature Communications Earth and Environment, liderado por Ingo Sasgen, do Instituto Alfred Wegener de Investigação Polar e Marinha, centrou-se entre 2017 e 2019: enquanto até 2018 se detectou um degelo anormalmente baixo, o ano de 2019 ficou marcado por níveis recorde de derretimento do manto de gelo da maior ilha do Árctico.

Foi em Julho de 2012 que Son Nghiem, cientista do Laboratório de Propulsão a Jacto da NASA, se apercebeu de que a Gronelândia, região autónoma da Dinamarca e detentora da segunda maior reserva de gelo do planeta (logo a seguir à Antárctida), estava a sofrer um derretimento de gelo impressionante numa área enorme. Em apenas quatro dias, entre 8 e 12 de Julho daquele ano, a área de gelo que estava a derreter passou de 40% para 97%. A última vez que tinha havido um fenómeno tão abrangente remontava a 1989.

Em 2019, esses recordes foram ultrapassados e o degelo da ilha excedeu em cerca de 15% o anterior recorde de 2012 – dos 464 mil milhões de toneladas de gelo perdido há oito anos passou-se para uma perda de aproximadamente 532 mil milhões de toneladas em 2019.

Toda esta quantificação da perda de massa de gelo da Gronelândia foi possível graças à análise de dados de duas missões de satélite: a Gravity Recovery and Climate Experiment (GRACE), em operação entre Março de 2002 e Junho de 2017, e a Gravity Recovery and Climate Experiment Follow-On (GRACE-FO), que veio dar continuidade à primeira a partir de Maio de 2018. Além dos dados recolhidos pelos satélites, a equipa de Ingo Sasgen baseou-se igualmente em modelos climáticos regionais (modelos numéricos de previsão do clima para uma região, que são habitualmente determinados a partir de modelos globais de clima, porém com maior resolução numa área limitada), sobretudo para preencher a lacuna temporal de 11 meses entre os registos das duas missões.

A GRACE-FO reproduz o mesmo o conceito da missão GRACE, que consiste em dois satélites, na mesma órbita, separados por cerca de 220 quilómetros, que medem as variações na sua distância ao longo da trajectória, causadas por diferenças na atracção gravitacional da Terra. É utilizando um sistema de microondas, que regista redistribuições de água e gelo na superfície terrestre.

Tal como adianta o artigo científico, os primeiros dados da GRACE-FO, comparativamente àqueles registados na missão que a antecedeu, revelaram um abrandamento de 58% na redução do manto de gelo da Gronelândia entre 2017 e 2018. Os investigadores atribuíram a causa do degelo anormalmente baixo neste período aos dois Verões frios anómalos na Gronelândia, agravados pelas condições do Outono e do Inverno ricas em neve. O abrandamento na perda de massa de gelo na região foi, então, impulsionado por uma redução do escoamento das águas em resultado da fusão e por um aumento da acumulação de neve.

Para 2019, a missão de satélite iniciada em Maio do ano anterior revelou um regresso a elevadas taxas de derretimento, conduzindo a uma perda de massa de gelo de 223 mil milhões de toneladas só no mês de Julho e a uma perda anual recorde de 532 mil milhões de toneladas de gelo. Contrariamente ao período anterior analisado, o Verão de 2019 pautou-se pela predominância de condições anticiclónicas sobre a camada de gelo, semelhante a 2012, que fizeram avançar massas de ar quente de latitude média para o Noroeste da Gronelândia. Isto, combinado com a uma baixa queda de neve, lançou 2019 para níveis recorde de degelo, sem precedentes.

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Ilustração artística dos satélites da missão GRACE-FO NASA/JPL/Caltech

O aumento de episódios de fusão de gelo deve-se, como refere o artigo científico, a uma variedade de factores, incluindo o aumento das temperaturas próximas do sol e reduções no albedo (poder de reflexão da radiação) da superfície. Os modelos climáticos globais projectam que as temperaturas anuais do Árctico aumentem cerca de duas vezes mais depressa em comparação com os trópicos.

Recuando até 1985

Um outro estudo, publicado este mês também na Nature Communications Earth and Environment, liderado por Michalea D. King, investigadora da Universidade Estadual do Ohio (EUA), centrou-se no deslizamento de glaciares da Gronelândia, analisado com base em quase quatro décadas (desde 1985) de observações de satélite. De acordo com esta equipa internacional, o gelo perdido anualmente para o mar ao largo da Gronelândia é agora tanto que a neve que cai sobre a ilha não chega para compensar essa perda. O derretimento do manto de gelo está a um ritmo de tal ordem acelerado que começou a tornar os glaciares mais instáveis.

Mesmo que os seres humanos pudessem, de alguma forma, travar imediatamente as alterações climáticas, o gelo susceptível de se perder na Gronelândia continuaria a ser maior do que a acumulação de gelo na superfície em cada Inverno. “O recuo dos glaciares colocou a dinâmica de todo o manto de gelo [da Gronelândia] num estado de perda constante”, disse Climate News Network, Ian Howat, co-autor do último estudo em questão. “Mesmo que o clima permanecesse o mesmo ou arrefecesse um pouco, o manto de gelo continuaria a perder massa.”

Texto editado por Teresa Firmino

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