Editores de livros escolares censuram conteúdos democráticos em Hong Kong

Conceitos como “separação de poderes” e fotografias de cartazes com mensagens de protestos foram retirados de alguns manuais escolares. Pequim diz que medida reforça “identidade dos estudantes”.

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Estudantes do ensino secundário numa acção de protesto em Setembro de 2019 JEROME FAVRE/EPA

As escolas secundárias de Hong Kong vão começar o próximo ano lectivo com manuais escolares revistos em que foram alterados ou eliminados temas democráticos, como desobediência civil ou sufrágio universal, em aplicação da nova lei de segurança.

Os seis editores responsáveis pela maioria dos manuais utilizados na disciplina de Estudos Liberais aceitaram submeter-se a um programa de revisão voluntário, efectuado pelas autoridades educativas locais, que resultou na supressão de conceitos democráticos como “separação de poderes”, noticiou o jornal South China Morning Post.

A disciplina cobre seis tópicos, incluindo Hong Kong, China contemporânea e globalização, participação política, o sistema jurídico da cidade e a identidade dos seus residentes.

O agora eliminado princípio democrático de que os poderes executivo, legislativo e judicial devem funcionar de forma independente tinha sido objecto de críticas por parte de sectores pró-Pequim, incluindo do antigo líder do território Tung Chee-hwa, que no ano passado acusou o sistema educativo de Hong Kong de encorajar os jovens a participar nos protestos antigovernamentais.

Sobre a questão da desobediência civil, os novos textos enfatizam as consequências legais em que os participantes incorrem, enquanto o material gráfico que mostra manifestantes a segurar bandeiras ou a criticar Pequim desapareceu de alguns livros.

O conceito de “identidade” também foi alterado: enquanto nos livros anteriores os textos eram acompanhados de fotografias de cartazes com as frases “sou um hongkonger'" ou “libertem a comunidade”, nas versões actuais as imagens foram substituídas.

As escolas podem escolher entre as ofertas dos editores ou utilizar o seu próprio material para ensinar a disciplina, que desde 2009 é obrigatória para os alunos do ensino secundário, visando “reforçar o seu pensamento crítico, alargar os seus conhecimentos gerais e aumentar a sua consciência dos problemas contemporâneos”.

O jornal oficial chinês Global Times aplaudiu as mudanças, destacando que estas sublinham que “os manifestantes serão responsabilizados se abusarem da lei” e "reforçam a identidade dos estudantes” como sendo “de Hong Kong e chineses”.

O jornal aponta o caso da editora Aristo Educational Press, que acusa de anteriormente fornecer “informação venenosa” e “pró-secessionista”, e que concordou com a revisão.

No passado dia 6 de Julho, uma semana após a aprovação da polémica lei da segurança nacional imposta pela China ao território, o Governo de Hong Kong pediu às escolas que “examinassem o material didáctico, incluindo livros”, e “os retirassem” caso tivessem “conteúdos desactualizados ou provavelmente semelhantes aos quatro tipos de delitos” definidos pelo diploma.

A directiva enviada às escolas foi anunciada dois dias depois de as bibliotecas terem também sido avisadas para retirar das prateleiras obras susceptíveis de violar a lei da segurança nacional, incluindo de figuras do movimento pró-democracia, como o activista Joshua Wong ou a política Tanya Chan.

Na altura, o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, considerou a manobra um “acto orwelliano” de censura da China.

Promulgada em 30 de Junho pelo Presidente chinês Xi Jinping, a nova lei permite punir quatro tipos de crimes contra a segurança do Estado: actividades subversivas, secessão, terrorismo e conluio com forças estrangeiras que ponham em risco a segurança nacional em Hong Kong.

Os crimes contra a segurança nacional passaram a ser passíveis de prisão perpétua no território.

A comunidade internacional, com os Estados Unidos e a União Europeia em destaque, além de diversas organizações não-governamentais, expressaram mais de uma vez o receio de que a lei sirva para silenciar vozes críticas em Hong Kong, após um ano de protestos que levaram a nove mil detenções na ex-colónia britânica.

Hong Kong regressou à China em 1997 sob um acordo que garantia ao território 50 anos de autonomia e liberdades desconhecidas no resto do país, ao abrigo do princípio “Um país, dois sistemas”, tal como acontece com Macau desde 1999.

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