Golpe de Estado força Presidente do Mali a demitir-se e dissolver Parlamento

“Tenho realmente uma escolha?”, questionou Ibrahim Boubacar Keita após levantamento de militares que o detiveram. Militares prometem eleições gerais “num prazo razoável” .

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Ibrahim Boubacar Keita é contestado nas ruas há alguns meses LUSA/LUDOVIC MARIN / POOL
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Malianos em Bamako celebraram golpe militar LUSA/STR
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Militares entram em Bamako, cumprimentos por populares LUSA/MOUSSA KALAPO

O Presidente do Mali, Ibrahim Boubacar Keita, anunciou a sua demissão na madrugada de terça-feira, horas depois de um motim organizado pelos militares. Numa declaração transmitida pela televisão nacional, Keita disse ainda que vai demitir todo o Governo e dissolver a Assembleia Nacional (Parlamento). A União Africana suspendeu o Mali por causa do golpe de Estado.

“Se, hoje [terça-feira], certos elementos das nossas forças armadas querem um fim através da sua intervenção, tenho realmente uma escolha?”, disse Keita, anunciando de seguida a sua demissão, com efeitos imediatos. “Não quero que seja derramado sangue para que eu me me possa manter no cargo. Por isso, demito-me”, afirmou.

Na terça-feira, Keita e o seu primeiro-ministro, Boubou Cissé, foram detidos durante um motim liderado pelos militares e levados para uma base militar em Kati.

Horas depois, as forças militares que tomaram o poder, auto-intituladas Comité Nacional para a Salvação do Povo, apareceram na televisão estatal e anunciaram uma “transição política civil” que conduza a eleições gerais num “prazo razoável”.

“Não nos estamos a agarrar ao poder, mas estamos a garantir a estabilidade do país”, disse Ismail Wague, vice-chefe de Estado-Maior da Força Aérea.

“Isso permitirá que organizemos, dentro de um prazo razoável, eleições gerais para dar ao Mali instituições fortes, capazes de gerir as nossas vidas no dia-a-dia e restaurar a confiança entre Governo e governados”, acrescentou Wague, denunciando o “clientelismo político”.

“O nosso país afunda-se no caos, na anarquia e na insegurança por culpa dos homens encarregados do seu destino”, acusou Ismail Wague. Na capital, Bamako, militares e polícias foram celebrados por populares.

A União Africana suspendeu o Mali da organização, “até que seja restaurada a ordem constitucional no país”. Os Estados Unidos, através do secretário de Estado, Mike Pompeo, condenaram igualmente o golpe. Michael Shurkin, um ex-analista da CIA, que agora trabalha na Rand Corporation, disse à Reuters que este golpe pode distrair o exército do Mali da luta contra os jihadistas ligados à Al-Qaeda e ao Daesh, no Norte e Centro do país. O país está mergulhado num conflito militar desde 2012, e que tem levado à insurgência de jihadistas no Norte do país.

A coligação M5-RFP, através do seu porta-voz, Nouhoum Togo, que tem organizado os protestos contra o Presidente Keita nos últimos meses, disse à Reuters que o que está em curso “não é um golpe militar, mas sim uma insurreição popular”.

Após a detenção de Keita e Cissé, na capital, Bamako, a acção dos militares foi recebida com euforia. “Todo o povo do Mali está cansado. Já chega”, afirmou um manifestante à Al-Jazeera.

O motim militar que forçou a demissão do Presidente e a queda do Governo foi condenado de forma generalizada pela comunidade internacional e pelos parceiros regionais do Mali. A Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) decidiu fechar as fronteiras dos seus Estados-membros com o Mali e as Nações Unidas pediram uma “restauração imediata da ordem constitucional e justiça no Mali”.

A União Europeia defendeu um processo democrático no país e a China opôs-se a uma mudança de regime “pela força”.

O gabinete do ministro da Defesa português, João Gomes Cravinho, disse à agência Lusa que “está a acompanhar a situação no Mali com grande preocupação”, uma vez que Portugal tem 63 militares da Força Aérea Portuguesa destacados no país e um avião de transporte C-295 no âmbito de uma missão das Nações Unidas. Diz dos portugueses no Mali que estão “bem”.

Os protestos nas ruas do Mali intensificaram-se nos últimos meses, sobretudo depois de umas eleições legislativas bastante disputadas que deram a vitória ao partido de Keita, apesar de não ter conseguido maioria absoluta. Por isso, o Presidente pediu a intervenção do Tribunal Constitucional, que decretou que mais de 30 deputados da oposição teriam de abandonar o cargo para que fossem convocadas novas eleições naqueles círculos eleitorais.

A contestação a Ibrahim Boubacar Keita, de 75 anos, subiu de tom e sucederam-se episódios de violência.

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