Sobre a localização da sala de consumo assistido do Lumiar

A localização das salas de consumo assistido precisa de ser compatível com as necessidades dos consumidores de drogas, mas deve também ter em consideração os interesses e expectativas dos residentes locais.

Tem sido veiculada na comunicação social a intenção de se construir uma sala de consumo assistido numa localização na confluência da Rua 10 do PUAL e da Rua Azinhaga da Cidade, a menos de 100 metros do centro do Lumiar.

A literatura internacional de referência alerta para a necessidade de localizar este tipo de serviços o mais próximo possível das denominadas zonas de consumo. É isso que também resulta das normas em vigor, designadamente do Decreto-Lei n.º 183/2001, de 21 de junho A justificação é simples: após a compra da substância, a maioria dos consumidores quer desesperadamente consumi-la. Se não puderem fazer de forma reservada, farão a céu aberto e em lugares públicos.

Ora, nos termos da Proposta para a Criação de um Serviço de Apoio Integrado (SAI), a “zona de consumo” do Lumiar, identificada pelo Grupo de Trabalho das Dependências, é o “Bairro da Cruz Vermelha”, sendo que este bairro não só, no presente, se encontra distante da localização escolhida, como, de acordo com o que tem sido publicitado, muitos dos seus residentes irão ser realojados. Isto significa que o ponto de venda e consumo passará a distar 1,5 km da localização sugerida para o futuro SAI do Lumiar, obrigando os consumidores a deslocar-se por meio de blocos residenciais habitados e frequentados por não utentes, para aceder às instalações no centro do Lumiar.

O unilateralismo das autoridades locais desencadeou uma mobilização coletiva de moradores do centro do Lumiar e de famílias, com filhos menores, que frequentam as instituições de ensino, públicas e privadas, nas imediações da localização escolhida para a sala de consumo assistido. Há uma série de iniciativas em curso, nem sempre concordantes quanto ao mérito ou necessidade deste tipo de programas, mas todas convergentes quanto à desadequação da localização do futuro “serviço de apoio integrado de consumo do Lumiar”, por se encontrar rodeada de blocos residenciais, a escassos metros do centro do Lumiar e da “Praça Verde” da Alameda das Linhas de Torres, e nas imediações de uma série de serviços e estabelecimentos de ensino, ao arrepio do disposto no Decreto-Lei n.º 183/2001, de 21 de junho.

Aliás, a localização sugerida na dita Proposta, não só não evita a exposição a não utentes, como é altamente potencializadora do contacto e interação entre utentes e não utentes, pela proximidade a “núcleos urbanos consolidados”, “equipamentos de públicos sensíveis (v.g. escolares e de jovens)” e uma estação de Metro, com uma elevada taxa de utilização por não consumidores. A proximidade do metro e da linha amarela terá um efeito multiplicador no número de utentes que esta escolha pode acarretar. O SAI do Lumiar deixará de ser uma resposta localizada a um problema de consumo de substâncias psicoativas, numa zona circunscrita e identificada como prioritária, para se transformar num hub de consumo assistido para consumidores residentes noutras zonas da cidade e concelhos limítrofes.

Não é apenas a questão legal que nos preocupa, mas o facto de se insistir numa localização imposta ao arrepio da opinião dos cidadãos, que carece de fundamentação e não salvaguarda um princípio básico, tão determinante para a eficácia deste tipo de programas: a localização das salas de consumo assistido precisa de ser compatível com as necessidades dos consumidores de drogas, mas deve também ter em consideração os interesses e expectativas dos residentes locais. [1]

Quando o legislador refere que os programas de consumo vigiado “não pod[em] ser instalados em espaços ou centros residenciais consolidados” (art. 70.º 2 do DL 183/2001, de 21 de junho), a preocupação é a de acautelar que os residentes nestas áreas não sejam penalizados por eventuais externalidades negativas, sejam essas de natureza sanitária, securitária, reputacional e, inclusive, económicas, nomeadamente: o receio (legítimo) de que a implantação de um equipamento dessa natureza possa ter no valor comercial das suas habitações. Não basta o presidente da Junta do Lumiar referir que “os receios são infundados”, é preciso que demonstre, antes de impor uma decisão à comunidade, que o são.

Em síntese, as entidades locais responsáveis por este processo não podem atirar uma localização por conveniência e ignorar os interesses e expectativas dos residentes locais e dos próprios consumidores. O que me parece que esteja a faltar neste momento é uma boa dose de bom senso e de capacidade de diálogo da parte das autoridades. A comunidade foi chamada a participar num processo de decisão que afeta diretamente a sua qualidade de vida. O decisor não pode, simplesmente, fazer ouvidos de mercador às observações e reclamações pertinentes da sociedade civil. Pelo contrário, deverá reconsiderar a sua posição e criar as condições necessárias para o diálogo, promovendo um debate informado e esclarecedor, para que a decisão seja tomada em função da consulta devida à sociedade civil e não nas costas desta.

Nota: Sou residente no Lumiar e, por conseguinte, escrevo na qualidade de parte interessada. Apresento assim a minha declaração de interesses para futuras intervenções sobre o assunto em apreço.

[1] Hedrich, D. (2014) European report on drug consumption rooms. Lisbon: EMCDDA, p. 82.

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