“Somos uma decepção”: como é ser gay na comunidade luso-americana?

Num debate sobre a homossexualidade organizado pelo PALCUS, ficou claro que ser gay ainda é tabu dentro da comunidade luso-americana. A culpa é das tradições, religião e valores conservadores, acreditam os oradores. Mas defendem que organizações, líderes comunitários e religiosos podem mudar o cenário.

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Honey Fangs/Unsplash

O tabu que rodeia a homossexualidade na comunidade luso-americana ainda gera receios, fazendo sentir que são “uma decepção”, disse a luso-descendente Chelsie Santos no primeiro debate sobre o tema organizado pelo PALCUS. No fórum virtual do Conselho de Liderança Luso-americano (PALCUS, na sigla inglesa), a barbeira de 25 anos disse que o pendor tradicionalista e fechado da comunidade pesa sobre os luso-descendentes que não se encaixam nesse formato.

“Não vou mentir sobre quem sou”, disse Chelsie Santos, afirmando que a revelação da sua orientação sexual, quando tinha 17 anos, foi um momento difícil, até porque o pai era uma figura proeminente na comunidade. “Estava assustada”, afirmou, “foi um caminho difícil”. O sentimento de desapontar as pessoas acontece, explicou, por causa da forma como os luso-americanos são criados, “por causa das tradições” e a noção dos valores familiares. “Senti-me assim durante muito tempo e demorou até que os meus pais aceitassem que isto era a sério”, disse.

No debate, que foi moderado pela chair do PALCUS Angela Simões e co-apresentado pelo professor Diniz Borges, o fadista David Silveira Garcia contou que só revelou a sua sexualidade aos 35 anos. “Tinha receio de que tudo o que conquistara dentro da comunidade seria apagado porque sou gay”, afirmou o artista, um dos nomes mais proeminentes do fado cantado na Califórnia.

A revelação acabou por correr “extremamente bem” e Garcia não teve reacções negativas à sua frente. “Os portugueses não te vão dizer coisas más na cara. Vão dizê-las nas costas”, ressalvou. Garcia considerou que há um certo desligamento: “A comunidade aceita bem, desde que não seja nas suas famílias e não vá contra a sua igreja.”

O fadista recordou o momento em que participou numa festa da comunidade e havia dezenas de cartazes a incentivar o voto na proposta de lei que reverteria o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. “Os emigrantes são muito devotos à religião”, disse o artista. “Se a igreja os liderasse numa direcção de maior aceitação, isso faria diferença.”

Chelsie Santos concordou, frisando que a religião “está muito ligada à nossa cultura” e que uma maior consciencialização seria benéfica. “Se os pais sentissem que não estão sozinhos, aceitariam melhor”, indicou, referindo que há gente na comunidade que ainda não revelou a sua orientação.

Nuno Guerreiro, que cresceu em Portugal e vive na Califórnia, esperou até aos 30 anos para assumir a sua sexualidade. “Ainda há muito caminho a percorrer”, disse. “Somos uma sociedade muito antiga e tradicional, tanto em Portugal como na comunidade de emigrantes”.

Os interlocutores deste debate concordaram que o papel das organizações, líderes comunitários e também religiosos é importante. “Tudo começa na liderança”, afirmou Nuno Guerreiro. “Devem impulsionar muitas estas conversas”, considerou, falando da importância dos aliados, que devem apoiar activamente em vez de se limitarem a não discriminar.

“A nossa cultura é conhecida pelos mexeriqueiros”, disse David Silveira Garcia. Para o fadista, quando alguém usa expressões incorrectas durante uma conversa, os outros não devem ficar calados. “Tomem uma posição pelo que está certo. Não se limitem a calar-se e ignorar”, disse.

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