O duplo desertor que, acusado de abuso sexual, levou a covid-19 para a Coreia do Norte

Kim, de 24 anos, conseguiu desertar da Coreia do Norte em 2017. Três anos depois, voltou, acusado de abuso sexual. Seul nega que desertor esteja infectado e fala em “motivações políticas” de Pyongyang.

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Túnel de drenagem na Ilha de Ganghwa, na Coreia do Sul, por onde o desertor terá fugido EPA/YONHAP SOUTH KOREA OUT

Depois de meses a garantir que não tinha qualquer caso de covid-19, a Coreia do Norte entrou em alerta depois de um desertor norte-coreano a viver na Coreia do Sul ter regressado ao país, suspeitando-se de que pudesse estar infectado com SARS-Cov-2.

A informação não foi confirmada oficialmente, mas, no fim-de-semana, Kim Jong-un fechou a cidade fronteiriça de Kaesong, onde vivem 300 mil pessoas, e pôs a Coreia do Norte em estado de alerta máximo.

Enquanto Seul e Pyongyang trocam acusações sobre a veracidade do primeiro caso de infecção de coronavírus na Coreia do Norte, começam a ser conhecidos mais pormenores sobre o possível “doente zero”, como o classificou a Reuters.

A história do desertor, conhecido apenas por “Kim”, de 24 anos, começa e, até ao momento, acaba em Kaesong. Em 2017, fugiu a nado, pelo rio Han, do regime norte-coreano, mas, três anos depois, viu-se forçado a regressar da mesma forma, depois de ter sido acusado de abuso sexual na Coreia do Sul.

Conta a Reuters que, no dia 12 de Junho, uma mulher, de cerca de 20 anos, apresentou uma queixa contra Kim, acusando-o de a ter violado. O norte-coreano foi interrogado no dia 21 Junho e negou as acusações. Cerca de um mês depois, as autoridades sul-coreanas foram alertadas para ameaças que a vítima estaria a receber e que Kim estava a pensar fugir da Coreia do Sul.

Foi emitido um mandado de detenção no dia 21 de Julho, mas, nessa altura, já Kim estava na Coreia do Norte. Segundo as autoridades sul-coreanas, citadas pela Reuters, Kim, que mede 1,63 metros e pesa 54 quilos, rastejou através de um túnel de drenagem, abriu caminho através das cercas de arame farpado e nadou até ao Norte, um caminho semelhante ao que fez em 2017, quando fugiu da Coreia do Norte, tendo sido ajudado na altura pelos soldados sul-coreanos que o encontraram.

Os militares sul-coreanos acreditam que Kim fugiu no dia 19 de Julho e que esteve vários dias escondido, até ser apanhado, no dia 24 de Julho, pelas autoridades norte-coreanas. Ao deterem o desertor, alertaram para os seus sintomas de covid-19 e emitiram um alerta no país.

Esta terça-feira, o ministro da Defesa sul-coreano, Jeong Kyeong-doo, pediu desculpa por não ter conseguido travar a fuga do desertor norte-coreano. No entanto, em Seul, prevalece a tese de que Kim não está infectado com o novo coronavírus, o que levou o ministro, citado pela agência Yonhap, a acusar Pyongyang de fazer acusações baseadas em “motivações políticas” e de tentar responsabilizar a Coreia do Sul pela disseminação do vírus na Coreia do Norte.

Questionado sobre a possibilidade de a Coreia do Norte estar a utilizar o caso do desertor para pedir ajuda indirectamente, o ministro da Defesa sul-coreano não descartou a hipótese de o Norte procurar ajuda para enfrentar a possível disseminação do vírus no país. “Concordo, de certa forma, mas as intenções [da Coreia do Norte] devem ser interpretadas sob vários aspectos”, afirmou Jeong Kyeong-doo.

As autoridades de saúde sul-coreanas garantem que não há quaisquer indícios de que Kim estivesse infectado com coronavírus antes de fugir da Coreia do Sul. Além disso, pelo menos duas pessoas que contactaram recentemente com o desertor fizeram o teste de despistagem ao vírus, tendo o resultado sido negativo.

Até ao passado fim-de-semana, a Coreia do Norte garantia não ter qualquer caso de infecção por SARS-Cov-2, uma afirmação que tem sido contestada por especialistas, tendo em conta que o país partilha uma longa fronteira com a China, onde o vírus foi detectado pela primeira vez no final do ano passado.

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