Lisboa tomou um café com Pontevedra, uma cidade amiga das pessoas

A pequena cidade galega anda nas bocas do mundo por ter avançado há anos com um plano de mobilidade que refreou os carros, e deu primazia, e segurança, aos peões. Lisboa é bem maior, mas quer aprender com ela.

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evr enric vives-rubio

Pontevedra poderia, no tamanho, ser uma freguesia de Lisboa. Mas enquanto cidade reconhecida, mundialmente, pelo seu plano de mobilidade que há anos retirou protagonismo ao automóvel e devolveu boa parte do espaço público aos peões, o pequeno burgo galego mede meças com uma capital a esforçar-se por, bairro a bairro, seguir algumas daquelas receitas. Miguel Anxo Lores, o médico-alcaide que olha a cidade como um paciente a precisar de ar puro, deu uma consulta, à volta de uma mesa de café. 

Convidado para mais um debate sobre o futuro pós-covid que têm decorrido n'A Brasileira, o Lisboa de Volta, organizado pela jornalista Catarina Carvalho, o autarca galego mostrou esta quinta-feira, ao fim da tarde, que não é preciso ser-se especialista em tráfego, para se perceber quais os problemas do trânsito numa cidade. Falando como médico de medicina geral que é, lembrou que a poluição mata, que a velocidade automóvel mata, e que até o ruído mata. “E se tu sabes isso, tens de fazer algo, insistiu”. 

Lisboa está a esforçar-se por redesenhar a mobilidade na cidade, implementando medidas estruturais de acalmia de tráfego, ruas sem carros e abrindo canais para utilizadores de bicicleta. Miguel Gaspar, vereador da mobilidade relembrou programas como o Lisboa sem Rodinhas, uma proposta que arrancou no ano passado e que pretende ensinar os mais jovens a andar de bicicleta em segurança. E referiu que já existem “pactos de compromisso” de promoção de formas de mobilidade alternativas e de sustentabilidade com 300 empresas, os quais podem incluir medidas como “o pagamento do passe mensal, ou infra-estruturas que permitam estacionar bicicletas ou utilização de duches” nos locais de trabalho.

Uma cidade que é uma zona 30

Pontevedra foi apontada como inspiração para estes planos. A cidade espanhola é conhecida pela sua abordagem incisiva à mobilidade: desde o final dos anos 90 que não há carros no centro histórico nem na maior parte da cidade. Os parques de estacionamento são maioritariamente subterrâneos e fora da zona central. Quanto aos poucos carros que circulam, fazem-no a 30 quilómetros hora, no máximo, tendo sido implementadas medidas de acalmia de tráfego, como lombas e rotundas em vez de semáforos. Tornou-se numa referência por ser “uma cidade segura, atraente para se viver. Desde 2011 que não há colisões mortais de carros dentro da cidade”, contou Miguel Anxo Fernández Lores, que acaba de ganhar um prémio europeu por esse feito. Lisboa, em contrapartida, ainda tem bem viva a memória do seu último atropelamento mortal, ocorrido a 10 de Julho. 

O autarca defendeu que este projecto ambicioso se iniciou por sentir que “as cidades estão doentes, com um espaço público degradado, com ruído e poluição. Se estão doentes, devem tratar-se como um paciente normal”. Assim, insistiu na mudança para um modelo de “cidade compacta”, que define como uma cidade “menos segregada, que permite deslocações a pé e onde não é preciso pegar no carro para ir comprar pão. Além de tornar as cidades em espaços mais funcionais, apoia-se o comércio local”, garantiu, tocando num dos maiores receios de quem contesta medidas semelhantes em Lisboa.

Lisboa e Pontevedra são cidades diferentes. A começar pelo tamanho: a cidade galega tem 5,6 quilómetros quadrados, muito menos que os 137 quilómetros quadrados da capital portuguesa. Mas isso não desanima Lopes. “Creio que nas cidades grandes há a vantagem de poderem operar mais facilmente um sistema de transportes públicos funcional”, lembrou.

A importância da habitação

Entre a plateia, insistiu-se na necessidade de olhar para a mobilidade em conjugação com outras áreas, como a da habitação pois há um afastamento crescente dos residentes de Lisboa para a periferia. Os participantes que defendem os modos suaves realçaram que não pretendem ser antagónicos com os automobilistas. De acordo com Mário Alves, representante da MUBi (Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta), “ninguém advoga o fim dos carros ou 100% de bicicletas. Apenas se defende cidades mais equilibradas, e em que só andem os carros necessários para que a circulação funcione”.

Em 2019, a CML aprovou um Plano Municipal para a Mobilidade Sustentável, que pretende a “criação de um ecossistema de mobilidade centrado nas pessoas”, “alicerçado numa rede integrada e multimodal de transportes públicos, numa rede pedonal e ciclável segura, funcional e apelativa, e na proliferação de serviços de mobilidade baseados em tecnologias mais limpas”. Actualmente, 47% das deslocações citadinas fazem-se de automóvel, a maior parte (70%) de curta distância (5 quilómetros ou menos).

Texto editado por Abel Coentrão

 
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