Pandemia expôs fragilidade do SNS, diz Conselho de Finanças Públicas

A resposta a outras patologias foi afectada, diz o relatório, que salienta que o SNS soube adaptar-se “às exigências da pandemia sem entrar em ruptura”.

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Paulo Pimenta

A pandemia de covid-19 mostrou a fragilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e ameaça a sua sustentabilidade financeira, alerta o Conselho de Finanças Públicas (CFP) no seu primeiro relatório sobre o SNS esta terça-feira divulgado, em que analisa a evolução orçamental entre 2013 e 2019 e denuncia a contínua desorçamentação da despesa.

“A actual crise expôs de forma ainda mais premente as diferentes fragilidades financeiras e constrangimentos na capacidade de resposta do SNS às solicitações com que se defronta, e veio colocar a questão de saber se a pressão financeira forte que sobre ele se faz sentir (...) será acompanhada de uma estabilidade de recursos financeiros, de mecanismos de controlo da despesa e de concretização num quadro financeiro de rigor, e de medidas que visem acautelar a sua solidez financeira futura”, refere o documento deste organismoindependente.

Apesar de considerar que o SNS “se soube adaptar às exigências da pandemia sem entrar em ruptura” na assistência aos doentes infectados com o novo coronavírus, o CFP salienta que a resposta a outras patologias e comorbilidades existentes e associadas ao envelhecimento demográfico acabou por ser afectada.

“Veio revelar, logo numa primeira fase e entre outras insuficiências, o baixo número relativo de camas de cuidados intensivos por habitante, o reduzido aprovisionamento de material de protecção individual, e a dificuldade em conciliar, nas diversas unidades de saúde, a resposta à pandemia com a continuação e normalidade de prestação de cuidados de saúde nas outras patologias”, pode ler-se no relatório.

O défice acumulado de 2.796 milhões de euros entre 2013 e 2019 ou o endividamento junto de fornecedores que ascendia a 1.589 milhões no ano passado colocam, segundo o CFP, “desafios de sustentabilidade financeira que importa ponderar no quadro da definição futura das políticas de saúde e das reformas (ainda por concretizar) no plano da gestão orçamental e financeira das entidades que fazem parte do SNS”, a começar pelas unidades de saúde.

O CFP sustenta também no documento que se regista a nível da receita um peso muito elevado das transferências e subsídios correntes face às outras fontes de financiamento previstas (lotarias, apostas mútuas e imposto do jogo; taxas moderadoras; prestações de serviço e concessões; e outras receitas correntes), com um contributo acima dos 92% ao longo do período observado, das quais 99% foram transferências do Orçamento do Estado (OE).

Desorçamentação contínua

Ao longo do período analisado, o SNS falhou sempre os objectivos de saldo definidos nos orçamentos iniciais devido a uma contínua suborçamentação da despesa, denuncia igualmente o organismo independente o organismo independente encarregado de avaliar o cumprimento e a sustentabilidade da política orçamental. A execução do SNS durante estes seis anos reflecte um saldo negativo acumulado de 2.796 milhões de euros (399 milhões de euros de défice médio), com 48% (1.354 milhões) do total a resultar apenas de 2018 (733 milhões de euros) e 2019 (631 milhões de euros).

“Entre 2013 e 2019, o objectivo fixado no orçamento inicial para o saldo do SNS nunca foi alcançado, tendo o saldo verificado sido substancialmente pior que o saldo orçamentado, com os desvios desfavoráveis a oscilar entre 42 MEuro (2017) e 531 MEuro (2019). Estes desvios negativos resultaram de uma suborçamentação da despesa, que foi, em média, superior em 6% àquela que estava orçamentada”, pode ler-se na nota que acompanha a divulgação do documento.

Os números analisados pelo CFP, que identifica “dificuldades no planeamento dos recursos financeiros necessários para o SNS e na implementação das políticas que visam a contenção da despesa nos limites orçamentais aprovados pela AR [Assembleia da República]”, apontam nestes seis anos para um ritmo crescente da despesa, que subiu de 0,5% em 2013 para 4,8% em 2019, sendo que o peso do SNS no total da despesa pública subiu de 10,4% no primeiro ano para 11,8% no ano passado.

Paralelamente, a despesa do SNS em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) nominal atingiu em 2019 o valor de 5,03%, mantendo-se relativamente estável, face ao crescimento do PIB neste período.

Enquanto as despesas de capital foram sempre inferiores a dois por cento entre 2013 e 2019, evidenciando uma “reduzida expressão do investimento”, a despesa corrente constituiu 99% da despesa total desde 2017, sendo que a quase totalidade dos gastos estavam concentrados em três áreas no último ano: despesas com pessoal (42%, com um crescimento de 7,3% em 2019), fornecimentos e serviços externos (39,3%, crescimento de 2,3% em 2019) e compras de inventários (18,3%, crescimento de 4,9% em 2019).

Nesse sentido, o CFP alerta que “o SNS necessitará de fundos adicionais para efeitos de satisfação das necessidades de saúde da população” e que o “efeito financeiro imediato dos défices do SNS, os quais representam um desequilíbrio económico persistente, é o aumento da dívida a fornecedores externos”, que totalizava já 1.589 milhões de euros no final de 2019, apesar de sucessivas injeções de capital e que ascenderam a 2.188 milhões nestes seis anos.

Ato contínuo, é igualmente identificada pelo órgão independente uma degradação ao nível dos prazos médios de pagamento, já que 39 entidades -- que representam mais de 66% do total de 54 entidades que compunham o SNS em 31 de dezembro de 2019 -- apresentam um prazo de pagamento a fornecedores superior a 60 dias.

Consultas e urgências aumentam

 No relatório, o órgão independente destaca, por outro lado, que as consultas e os atendimentos nas urgências aumentaram no ano passado no SNS. Nos cuidados de saúde primários foram feitas mais de 31 milhões de consultas médicas (31.569 milhares) em 2019, o número mais alto de todos os anos observados e que traduz um aumento em termos absolutos de cerca de 385 mil consultas (1,23%) face a 2018 (31.184 milhares) e superior a um milhão em relação a 2013.

Já o número de consultas de enfermagem ascendeu a mais de 19 milhões (19.286 milhares) no ano passado, ligeiramente acima (1%) de 2018, ano em que foram efectuadas 19.108 milhares. Contudo, o registo de 2019 fica abaixo dos desempenhos de 2013 (19.623 milhares), 2014 (19.754) e 2015, no qual se alcançou o valor mais elevado desse período e o único acima dos 20 milhões de consultas de enfermagem: 20.054 milhares.

No que toca aos cuidados de saúde hospitalares, com excepção do número de doentes saídos do internamento, que caiu de 836 milhares em 2013 para 788 milhares em 2019, todas as outras linhas de actividade registaram uma subida entre os dois extremos do período entre 2013 e 2019.

Com efeito, as consultas médicas atingiram um máximo em 2019, com mais de 12 milhões de consultas (12.420 milhares), mais 1,9% do que no ano anterior e que confirma um crescimento sustentado desde o início da análise em 2013 (11.614 milhares). Por sua vez, os atendimentos nas urgências ascenderam a quase 6,5 milhões em 2019 (6.426 milhares), mais 0,9% do que em 2018 (6.365 milhares) e acima dos 6.108 milhares de atendimentos em urgências em 2013.

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