Doze anos depois, ponte romana de Chaves voltará a ter carros? Os cidadãos vão votar

Tribunal Constitucional já deu luz verde para a realização de um referendo local. Ponte romana pedonalizada em 2008 poderá voltar a receber veículos ligeiros? Os flavienses vão decidir no dia 13 de Setembro

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Ponte romana, monumento nacional classificado, foi construída no fim do século I d.C Paulo Pimenta

“Concorda com a reabertura da Ponte Romana de Chaves ao trânsito de veículos automóveis ligeiros, num único sentido?” A pergunta, para uma resposta de “sim” ou “não”, será feita aos cerca de 44 mil eleitores de Chaves no próximo dia 13 de Setembro e quer pôr fim a uma “divergência antiga” do concelho de Trás-os-Montes, aponta o autarca Nuno Vaz. O Tribunal Constitucional (TC) confirmou “a constitucionalidade e a legalidade do referendo local que a Assembleia Municipal de Chaves, na sua reunião ordinária de 30 de Junho de 2020, deliberou realizar”, lê-se no acórdão, e o autarca socialista já se reuniu, esta segunda-feira, com os partidos políticos da oposição para definir uma data para a consulta popular.

A ponte romana de Chaves, monumento nacional classificado construído no fim do século I d.C., passou a ser pedonal em 2008 num processo que fez correr tinta de jornais e instalou a polémica na cidade. O então presidente da câmara, João Baptista, avançou com obras de requalificação da estrutura com um projecto que previa a pedonalização da travessia. Pelo meio, no entanto, veio a dúvida: o autarca admitia ainda não ter a certeza quanto a essa solução, a associação empresarial queria os automóveis a circular, a sociedade civil reclamava a promessa de lhes cortar o acesso.

A possibilidade de realizar um referendo já existia na altura, mas os sociais-democratas acabaria por recusar uma proposta dos socialistas para isso. A decisão acabaria por cair sobre a pedonalização, com argumentos que apontavam para a segurança e com o peso de um parecer solicitado ao Ministério da Cultura, defensor dessa solução tendo em conta a “elevada qualidade arquitectónica e patrimonial” da ponte, que assim poderia “melhor ser usufruída”. 

Divisões e democracia directa

Em vésperas de autárquicas de 2017, um debate político voltou a trazer o tema à agenda. Nuno Vaz, candidato socialista, recorda esse momento: “À data disse que uma matéria tão relevante que suscitava opiniões tão diversas, e tendo em conta o valor patrimonial [da ponte], devia ser decidido em referendo”, recorda em conversa com o PÚBLICO.

Esse “compromisso” foi levado a reunião do executivo, que votou a favor da realização desse referendo (apenas com um voto contra de um vereador do PSD) para voltar a levar os automóveis à ponte (em apenas um sentido), e aprovado posteriormente em Assembleia Municipal, conseguindo também passar e ser submetido à fiscalização preventiva do TC.

“É uma matéria que suscita muitas divisões. Algumas peremptórias, num ou noutro sentido. Pela primeira vez no concelho vamos permitir que sejam os cidadãos a decidir: é a democracia directa a funcionar”, afirma Nuno Vaz.

O socialista é assumidamente favorável ao referendo, mas recusa explanar o seu sentido de voto: “A câmara não tomará posição, porque entendemos que cada um dos cidadãos se devem pronunciar sem haver qualquer dialéctica ou motivação política”, diz. Aquilo que haverá, garante, é “toda a informação disponível” para que os flavienses possam votar. Uma dessas peças está precisamente ligada à segurança deste monumento da capital do Alto Tâmega. Há já um “estudo preliminar” e em breve os resultados serão disponibilizados no site da autarquia.

A convicção de Nuno Vaz é uma: “Penso que a questão do trânsito automóvel ligeiro não implicará um peso excessivo. Se assim fosse, não poderíamos fazer algumas iniciativas que são feitas em cima da ponte. Estamos a falar de cargas pouco significativas.” No entanto, se o estudo revelar fragilidades e os cidadãos quiserem a reabertura da ponte, a câmara assumirá a sua requalificação. 

Referendos locais estreados em 1999

Foi no ano em que celebravam os 25 da Revolução de Abril, em 1999, que Portugal realizou pela primeira vez um referendo local, aprovado pelo TC, em consonância com um mecanismo previsto no artigo 240.º da Constituição, desde 1982. Em Viana do Castelo, na freguesia de Serreleis, os populares rejeitaram por uma diferença de 14 votos a construção de um polidesportivo nas traseiras do salão paroquial. Como teve uma participação superior a 50% dos eleitores — a abstenção ficou-se pelos 23,33% —, o sufrágio foi vinculativo. Nesse mesmo ano, a 13 de Junho, a população de Tavira rejeitou, com 54,4%, a demolição do reservatório de água do Alto de Santa Maria.

Vizela teve agendado para Março um referendo onde ia decidir sobre a alteração da data do seu feriado municipal, passando-o de 19 de Março para 11 de Julho. A votação acabaria por ficar adiada por causa da epidemia de covid-19. Também em Braga o autarca Ricardo Rio já falou da intenção de convocar um referendo para decidir a venda do Estádio Municipal de Braga, cuja factura para os cofres públicos já se cifra nos 175 milhões de euros, quase o triplo dos 65 milhões inicialmente orçados.

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