A Europa frugal

A UE arrisca-se transformar-se numa soma aleatória de Estados-membros, indiferentes ao que acontece para lá das fronteiras de cada um, sem qualquer finalidade colectiva, circunscrita a um espaço económico comum, mas desigual.

Há uma diferença entre o desejável e o possível. Quando hoje se fala de União Europeia (UE), estamos sempre a falar do que é possível ­— de um mínimo denominador comum — e não do que é mais desejável. O acordo de princípio a que terão chegado esta segunda-feira os líderes da UE sobre o Fundo de Recuperação é prova disso. O primeiro-ministro classificou-o como “bom” (um eufemismo para desilusão), admitindo, de seguida, que “ficou no limite daquilo que faria com que este fundo não fosse um fundo suficientemente robusto para responder a esta primeira fase da crise”.

O acordo traduz uma das mais longas e tensas negociações entre os Estados-membros, demonstra explicitamente as divisões actuais, com a sua distribuição por três grupos distintos e um total distanciamento dos conceitos de subsidiariedade, coesão ou solidariedade que faziam parte do discurso e do ADN da União. Embora abra o precedente da criação de um fundo baseado na emissão de dívida pela Comissão Europeia, também é verdade que a UE ficou aquém daquilo que a excepcionalidade desta conjuntura pandémica exige e muito aquém daquilo que defendiam Alemanha e França.

Os chamados “frugais”, com os Países Baixos na liderança, constituíram um bloco intransigente e alargado com a Dinamarca, Áustria, Finlândia e Suécia, disposto a tudo para diminuir a componente de transferências a fundo perdido (em 110 mil milhões de euros, cerca de menos um quinto do que aquilo a Comissão tinha proposto) e reforçar a componente de empréstimos. Os Países Baixos ocuparam o papel reticente e bloqueador que o Reino Unido sempre exerceu com denodo e enfrentaram o eixo Paris-Berlim com ousadia e sem complexos. Para todos os efeitos, sem Macron e Merkel era provável que quatro dias não chegassem para um entendimento mínimo.

 A frugalidade do fundo é sinónimo da pouca vontade de alguns países em permitir qualquer ajuda económica aos países mais afectados pela crise do novo coronavírus, por acharem que o que lhes aconteceu foi por culpa própria e por não vislumbrarem qualquer interesse comum numa Europa que herdaram e da qual pouco querem saber. Esta Europa frugal arrisca-se a transformar-se numa soma aleatória de Estados-membros, indiferentes ao que acontece para lá das fronteiras de cada um, sem qualquer finalidade colectiva, circunscrita a um espaço económico comum, mas desigual. Uma Europa assim não passa de um mercado.

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