A máscara devia ser obrigatória na rua? Especialistas dividem-se

Filipe Froes defende que devia ser obrigatório usar máscara na rua. Carlos Palos rejeita a medida como “imposição” generalizada, mas admite-a “em determinadas zonas” e “fases com taxas de transmissão muito elevadas”. Ricardo Mexia diz que, “como medida generalizada ao país é excessivo, embora reduza o risco”.

Foto
Usar máscara na rua pode reduzir risco, mas especialistas dividem-se quanto à obrigatoriedade Adriano Miranda

A resposta à pergunta sobre se devia ou não ser obrigatório o uso de máscara na rua não é, para alguns especialistas ouvidos pelo PÚBLICO, simples. Há quem responda um inequívoco sim, mas também há quem entenda que, mesmo que contribua para reduzir o risco de infecção pelo novo coronavírus, tal não deve ser obrigatório.

A discussão sobre as formas de transmissão do vírus, os alertas da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre, “globalmente”, a pandemia estar “a acelerar” e as decisões tomadas nas regiões de alguns países, como Espanha, sobre a obrigatoriedade de máscara, mesmo no exterior, voltaram a levantar a interrogação.

O pneumologista Filipe Froes é um dos especialistas que defendem que devia ser obrigatório usar máscara, mesmo na rua. “Neste momento, em face das evidências que existem e da dificuldade que temos em controlar as cadeias de transmissão, tendo em conta a possibilidade de as pessoas assintomáticas poderem perpetuar a transmissão na comunidade, devemos adoptar todas as medidas para maximizar o controlo da situação e isso passa pela obrigatoriedade do uso de máscara em todas as situações”, diz ao PÚBLICO, referindo-se não só ao uso em espaços públicos e fechados, “mas em todo o lado, incluindo espaços públicos abertos, nomeadamente a rua”.

Já o coordenador da comissão de Controlo de Infecções e Resistência aos Antimicrobianos da Luz Saúde e do Hospital Beatriz Ângelo, Carlos Palos, tem uma posição diferente, defendendo que não deve ser obrigatório: “Tendencialmente, e sobre a utilização obrigatória em espaços públicos, a minha resposta é não. Poderá haver circunstâncias associadas à própria pessoa e à sua saúde, à densidade populacional e a taxas de transmissão em determinado sítio que podem levar a uma decisão pontual diferente”.

Para Carlos Palos, trata-se de “um assunto ainda um pouco controverso em alguns aspectos”. Porquê? “Sabemos que, seguramente, os modos de transmissão por via aérea são os mais importantes, as gotículas ou os aerossóis. Nos espaços fechados, é efectivamente importante a persistência das gotículas e aerossóis, que se estendem por vários metros. É importante o uso das máscaras. O momento das refeições é de particular vulnerabilidade. Nos transportes, com máscaras temos algum grau de protecção, se acreditarmos que os sistemas de ventilação estão a lançar ar limpo e não reciclado”, começa por explicar.

Quanto aos espaços abertos, continua o especialista, por um lado, “há uma circulação livre de ar, o que é bom, por outro, só numa proximidade de cerca de dois metros é que temos maior risco com as gotículas”. O que quer isto dizer, na prática? “Quando estamos num ambiente aberto, a não ser que haja alguém próximo de nós a tossir, a espirrar, não há um grande risco, porque há uma diluição do ar, a não ser que estejamos directamente na corrente de ar e sejamos bafejados pelo azar de a pessoa espirrar ou tossir e nós estarmos ali, mesmo que seja a alguma distância”, justifica o médico que considera, por isso, “difícil defender o uso permanente e generalizado de máscara em ambientes abertos”.

“Que permite reduzir o risco, permite”

Carlos Palos admite, no entanto, que “poderá ser uma opção do próprio, se entender que está numa zona de grande aglomeração de pessoas onde a probabilidade de ser exposto é maior”.

O especialista identifica, porém, um problema no uso obrigatório de máscaras de forma mais prolongada, se se juntar aos espaços públicos os fechados: o tempo de utilização da máscara que tal imposição implicaria, que levaria também a um maior consumo, ou aquisição daqueles objectos de protecção. “É um balanço de benefício-custo. As máscaras só são protectoras quando não as usamos muito tempo, por exemplo no máximo seis horas, para não ficarem humedecidas”, justifica, sublinhando que, a partir de determinada altura, deixam de ser tão eficazes. Ainda assim, e mesmo que os benefícios diminuam, o especialista admite que usá-las nesses contextos de exterior “mal também não faz”.

Carlos Palos admite, por isso, o uso obrigatório na rua, mas apenas em determinadas situações: “Depende de várias circunstâncias, de haver ou não muita gente, e depende da própria pessoa, se for imunodeprimida, por exemplo. Poderá ser uma recomendação em alguns contextos. Como imposição permanente talvez não. Pode tomar-se uma decisão em determinadas zonas e em determinadas fases com taxas de transmissão muito elevadas”, diz.

O presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia, tem uma opinião semelhante: “É uma questão complexa. Sabemos que a máscara ajuda a reduzir o risco, pode ser uma solução interessante. Mas temos de ter em conta o contexto, se há baixa ou alta transmissão, etc. Agora, que permite reduzir o risco, permite, mesmo no contexto exterior”, nota o especialista, referindo que, “particularmente, nos contextos em que haja maior concentração ou proximidade de pessoas, o uso de máscara pode ser importante” e também “para pessoas que têm factores de saúde de risco”.

Para Ricardo Mexia, a resposta não é, por isso, linear: “Como medida generalizada ao país é excessivo, embora reduza o risco. As pessoas devem é ter informação necessária para ter comportamentos seguros e saudáveis.”

Depois de a Organização Mundial de Saúde ter actualizado o guia sobre as formas de transmissão da covid-19, admitindo que o coronavírus se transmita pelo ar, e de ter avisado que a pandemia está em aceleração, algumas regiões, como em Espanha, por exemplo, introduziram a obrigatoriedade do uso de máscara em espaços públicos.

Para já, a ministra da Saúde rejeita a utilização obrigatória de máscara na rua. Na sexta-feira, quando questionada sobre o tema, Marta Temido admitiu que, embora não sendo essa a orientação neste momento, tal pode vir a mudar: “Todos nos habituamos à máscara nos momentos em que temos de o fazer. Há um conjunto de espaços em Portugal onde é já obrigatória a utilização de máscara. Genericamente esta é a via pela qual temos optado no nosso país. Não sentimos, a este momento, necessidade de adopção de outras medidas. Mas estamos a falar de temas que têm tido grande evolução ao longo do tempo e estão naturalmente em aberto”, afirmou.

Sugerir correcção