Mãe acusada pelo crime de mutilação genital feminina. É a primeira vez em Portugal

Mulher acusada de submeter a filha de cerca de dois anos à mutilação genital feminina aguarda julgamento em liberdade. No ano passado, foram abertos sete inquéritos por suspeita de mutilação genital feminina, dos quais cinco foram arquivados.

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PAULO PIMENTA

O Ministério Público da Amadora acusou uma mulher pelo crime de mutilação genital feminina (MGF) contra a filha, que teria apenas dois anos na altura em que foi submetida à prática.

Numa nota publicada no site da Procuradoria-Geral Regional de Lisboa na terça-feira, lê-se que o Ministério Público “requereu o julgamento, em tribunal colectivo, de uma arguida pela prática de um crime de mutilação genital feminina”.

“Trata-se da primeira acusação por mutilação genital feminina” no país, confirmou ao PÚBLICO a Procuradoria-Geral da República, sendo, portanto, o primeiro caso de MGF que poderá chegar a tribunal em Portugal.

Segundo o comunicado do Ministério Público, foram encontrado indícios de que a menina, nascida em 2017, terá sido submetida ao corte “em data compreendida no período entre 4 de Janeiro e 15 de Março de 2019, sem que para tal houvesse indicação médica em virtude de doença ou patologia clínica”. A arguida, que arrisca uma pena de prisão de dois a dez anos se for condenada, aguarda julgamento em liberdade.

Em Portugal, em 2019, houve sete processos abertos pelo Ministério Público por mutilação genital feminina, de acordo com informação enviada ao PÚBLICO pela PGR. Além do caso que resulta agora em acusação, cinco inquéritos foram arquivados e outro ainda se encontra em investigação.

O crime de MGF tornou-se autónomo no Código Penal apenas em 2015, numa alteração legislativa decorrente da aplicação à legislação portuguesa da Convenção de Istambul, o tratado do Conselho da Europa de combate à violência doméstica e de género.

Em 2016, o primeiro inquérito aberto por crime enquadrável no artigo n.º 144-A foi arquivado sem ir a julgamento. Em 2017, foi aberto outro processo que envolvia MGF, mas essa suspeita acabou por não constar no despacho de acusação, que se referia apenas ao crime de subtracção de menor. Em 2018, não houve nenhum inquérito aberto por MGF no país.

Do mais recente relatório de actividades das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, sabe-se que em 2019 houve nove comunicações por maus tratos relacionados com MGF. A Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens confirma que três destas denúncias por perigo de MGF referiam-se a crianças no escalão etário de zero a dois anos. Recorde-se que, no ano passado, uma menina recém-nascida e a irmã e um ano e meio foram retiradas aos pais pelo tribunal de menores do Seixal. A família tem sido acompanhada por uma entidade especializada para evitar que as meninas sejam submetidas à prática.

O estudo mais recente sobre mutilação genital feminina em Portugal, publicado pelo Observatório Nacional de Violência e Género em 2015, estima que residam em Portugal mais de 6500 mulheres com 15 ou mais anos já tenham sido vítimas de mutilação genital, e cerca de 1830 meninas com menos de 15 anos já teriam sido submetidas a esta prática ou estariam em risco de o ser.

Entre 2014 e 2019, através do Registo de Saúde Electrónico (antiga plataforma de dados da saúde), foram identificadas 394 mulheres submetidas à MGF. Este número tem vindo a aumentar de ano para ano, com cerca de um terço destes registos feitos apenas no ano passado, depois do arranque do projecto Práticas Saudáveis. De acordo com o último relatório da DGS, publicado em 2018, a maioria dos casos identificados não é recente, tratando-se sobretudo de mulheres adultas submetidas à MGF na infância e fora de Portugal.

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