Com que então, o turismo? Está morto?

É tempo de refletir, não sobre o desastre dos últimos meses, mas sobre como endereçar essa nova vaga de procura que se faz sentir. Temos uma oportunidade única para nos reposicionarmos e reerguermos o nosso setor. Por isso vos digo não, o turismo não está morto. Não o enterremos vivo.

Não chamem logo as funerárias (---) que a terra me não coma vivo 
Herberto Hélder

Há várias semanas que os telejornais se enchem de notícias e estatísticas horripilantes sobre as quebras no número de voos, na ocupação dos empreendimentos turísticos, quiçá, até, na venda das toalhas de praia. Não sei bem quando aconteceu mas vi uma reportagem num canal aberto que o confirmou na semana passada: o turismo, está morto.

Esta notícia afetou-me particularmente. Como tantos portugueses, além de gostar de turistar por conta própria, vivo do turismo, pois trabalho numa empresa que gere alojamentos por todo o país. E admito, esta morte seria coisa para me mergulhar num luto profundo. Seria, não fosse o conforto que sinto ao ver que tanta gente está a vir ao funeral.

Comecei a desconfiar quando marcava férias para mim mesmo. Do Gerês a Évora, Afife a Sesimbra, encontrei todas as propriedades quase completamente lotadas, muitas já para lá de Agosto. Não só isso, mas do litoral ao interior, os valores das noites não só estavam altos, como pareciam subir a cada refresh.

Segundo os meus colegas gestores de receita na LovelyStay, a situação é idêntica no Algarve, ainda que os hábitos de reserva se tenham alterado. As pessoas estão a privilegiar estadias mais longas, fazem reservas mais em cima da hora e optam por espaços que garantam algum isolamento. Ainda assim, as taxas de ocupação foram o dobro das do ano passado para o mês de Junho, estando os preços para Julho idênticos aos de 2019, ainda que com uma ocupação até ligeiramente superior.

Infelizmente, o mesmo não se passa em Lisboa e Porto onde os preços diários se assemelham aos praticados em plena época baixa. No entanto, até para estas cidades estamos a receber dezenas de reservas por dia há mais de 4 semanas, estando a ocupação próxima dos 70% para Julho quer na capital, quer na Invicta.

Afinal, o que se passa?

Em parte, e segundo dados da plataforma Transparent, os apartamentos turísticos são os preferidos na recuperação devido ao maior controlo dos contactos. De forma semelhante, é também compreensível que as pessoas estejam a fugir dos centros urbanos com maior densidade populacional. Ainda assim, uma taxa de ocupação nos 70% indicaria que afinal há uma procura considerável. Terão saído beneficiados por uma menor competição aqueles AL que sobreviveram aos últimos 3 meses? Com menos de 2% de anúncios eliminados do Airbnb em Portugal, não me parece.

Parece-me fundamental reconhecer que o turismo doméstico não recuperou, mas sim cresceu, estando a representar uma fatia significativa das reservas, nomeadamente daquelas que estão a assegurar rentabilidades tão boas ou superiores às de 2019 nas propriedades algarvias ou de turismo rural por todo o país, ainda que o poder económico desses visitantes possa não participar nos comércios locais da mesma forma.

E não, não são só os portugueses que parecem querer assistir às cerimónias fúnebres. Todos os dias são recebidos no meu escritório alemães, ingleses, belgas, e franceses. Mas foi apenas quando vi entrar a reserva de um afegão que percebi finalmente: este velório não faz sentido.

Seria intelectualmente desonesto argumentar que não vivemos uma crise enorme no nosso setor. Vivemos. Mas ao contarmos a sua história de forma incompleta, corremos o risco de contribuir para a nossa própria precariedade. Dou um exemplo óbvio mas representativo: afinal porque estão os preços tão baixos numa cidade como Lisboa em que se conseguem taxas de ocupação tão altas já para Julho? O desespero coletivo que fez com que todos os proprietários baixassem demasiado os preços por receio de ter as suas casas vazias até Setembro pode ter algo a ver com isso.

A cada reportagem horripilante, mais assustados ficamos e mais baixas mantemos as expectativas como os preços, destruindo as flutuações dinâmicas que emparelhariam a oferta e procura, e que maximizariam tanto as receitas dos proprietários como as do país.

É tempo de refletir, não sobre o desastre dos últimos meses, mas sobre como endereçar essa nova vaga de procura que se faz sentir. Não só é possível como vários já o estamos a fazer. Há que pôr fim no receio que compreensivelmente permeou o sentimento público e olhar para a realidade com alguma sobriedade, ainda que cautelosa. Se não o fizermos, corremos o risco de sermos nós próprios agentes promotores desta crise que irá de facto arrasar todas as instituições turísticas.

Ao que parece, ainda se quer visitar Portugal. As nossas cidades permanecem cultural, climatérica e financeiramente atrativas para portugueses e viajantes de toda a Europa. Mais do que nunca, Portugal deixou de ser apenas Lisboa, Porto e Algarve, e quase sem notar, se reconquistou. Temos uma oportunidade única para nos reposicionarmos e reerguermos o nosso setor.

Por isso vos digo não, o turismo não está morto. Não o enterremos vivo.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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