Assegurar e dar segurança à Cultura

A verdadeira bazuca que se anuncia para o setor da cultura é a revisão, ou melhor, um verdadeiro novo estatuto jurídico para os profissionais da cultura, que vivenciam uma intermitência constante.

É justo afirmar que, num momento inédito de travagem a fundo da economia e de paragem de quase todas as atividades de produção cultural, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, conseguiu que no seio do Governo fosse observada a especificidade dos agentes e dos profissionais da Cultura, sendo prevista a criação de uma linha de apoio social, cujo acesso não é por concurso. São 30 milhões de euros, que chegarão aos profissionais de teatro, bailado, cinema, rádio, televisão, circo, de atividades das artes de espetáculo e de apoio, que não beneficiem de serem trabalhadores por conta de outrem.

Na resposta inicial do Governo à declaração de estado de emergência, e da situação de pandemia, houve que garantir o acesso destes profissionais aos mecanismos transversais, assegurados através dos apoios ao lay off e aos trabalhadores independentes. Ainda assim, uma linha específica de apoio de emergência foi aberta, no valor de 1,7 milhões de euros – através da apresentação de projetos. Foram ainda cumpridas as prestações de apoios previstos no âmbito dos diversos procedimentos concursais de promoção e de fomento às artes. Mas aqui chegados, era necessário este apoio que o programa de estabilização económica e social agora prevê, e para o qual o Orçamento do Estado Suplementar, já aprovado, é um mecanismo essencial para colocar em marcha este apoio à área da Cultura.

Mas a verdadeira bazuca para o setor da cultura é a revisão, ou melhor, um verdadeiro novo estatuto jurídico para os profissionais da cultura, que vivenciam uma intermitência constante. Intermitência na fragmentação do tempo contributivo e da regularidade de atividade, instabilidade face à pluralidade de contratantes, e face à multiplicidade dos tipos de contratos, escritos ou verbais, que são celebrados. Além da necessidade de combater e todo o tipo de precariedade e de informalidade, ao género de economia paralela, e que agrava a situação financeira e fragiliza a proteção social destes trabalhadores.

Primeiro será necessário delimitar o âmbito subjetivo: artistas, autores, criadores e vários técnicos auxiliares. Depois há que perceber que questões jurídicas necessitam de normas especiais: as condições laborais, as carreiras contributivas, as modalidades de contratos e tipos de vínculos jurídicos, a formação e reconversão profissional, o quadro fiscal e os apoios e suportes sociais necessários.

Será ainda interessante discutir, não só qual o papel neste estatuto do Estado-providência, mas também do papel das entidades ou empresas que utilizam trabalho artístico, sejam elas autarquias, produtoras, promotores ou salas de espetáculos.

E, por último, uma análise de benchmark em busca das melhores soluções que já existam, e estejam em prática, noutras ordens jurídicas e que já criaram estatutos especiais, como em França, Espanha, Itália ou Bélgica, por exemplo.

Em nossa opinião, não deve, ainda, a definição deste novo estatuto jurídico exaurir as possibilidades da contratação coletiva. Deverá ser um regime de mínimos, criado como um estímulo para que as estruturas de representação dos trabalhadores das artes e as entidades contratantes possam usar as convenções, para adequar o regime à realidade concreta de cada atividade artística.

Será esta definição de estatuto o alicerce decisivo para que o tecido cultural seja também um motor de desenvolvimento económico, num mundo novo que vivemos, tecnologicamente mais colaborativo, com maior preocupação ecológica, mas com a mesma garantia de pluralidade de expressão, de interpelação individual e de emotividade que a criação cultural produz e induz.

Na Bélgica, o sistema especial de segurança social demorou 40 anos a construir. Por cá, contamos com a força de vontade, e com a firmeza, da ministra Graça Fonseca para que haja frutos, até ao final deste ano, do grupo de trabalho criado que reúne a Cultura, a Segurança Social e as Finanças.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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