Bruxelas aponta crise mais profunda em Portugal, com quebra de 9,8% em 2020

Comissão Europeia reviu em baixa as suas previsões económicas, e alerta para o cenário de incerteza. Ainda assim, mantém optimismo de uma recuperação de 6% da economia nacional em 2021

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LUSA/MANUEL DE ALMEIDA
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Reuters/POOL

A recessão histórica provocada pela pandemia do novo coronavírus, que em Maio se estimava seria de 7% deverá, afinal, ser ainda mais profunda. De acordo com as previsões económicas de Verão divulgadas esta terça-feira pela Comissão Europeia, em 2020 a contracção do Produto Interno Bruto (PIB) da zona euro chegará quase aos 9% — e em Portugal ultrapassará mesmo esse valor, com uma quebra pronunciada de 9,8%, que será apenas parcialmente compensada pelo crescimento de 6% projectado para 2021.

Na sua primeira revisão dos números avançados há apenas dois meses, os serviços técnicos da Comissão pintaram um cenário mais negro do impacto da pandemia, que atingiu todos os países da União Europeia de forma “mais significativa do que inicialmente previsto”.

A economia da UE deverá contrair-se 8,3% em 2020, e 8,7% na zona euro, em vez dos 7,4% e 7,7% previstos em Maio. O crescimento em 2021 também seria ligeiramente menos vigoroso do que se estimava na Primavera, fixando-se nos 5,8% na zona euro e nos 6,1% no total da UE.

Contracção “dramática” no segundo trimestre em Portugal

A actividade económica em Portugal experimentou uma quebra aguda a partir de Março, e o desempenho nos meses seguintes acabou por ser pior do que se estimava, justificou o comissário europeu da Economia, Paolo Gentiloni, apontando para a contracção “dramática” de 14% registada no segundo trimestre face ao período homólogo de 2019, quando se assistiu a uma paralisação de quase 100% da actividade turística.

“A recuperação do turismo estrangeiro acabou por ser mais lenta do que se esperava, em termos do número de voos, e também houve um atraso na reabertura da fronteira com Espanha”, notou Gentiloni, colocando Portugal no grupo das economias mais afectadas pela crise por causa da dependência do sector do turismo e dos serviços que exigem contacto directo entre as pessoas.

Assim, o “golpe” em 2020 deverá ser pior do que previu o Governo no Orçamento do Estado Suplementar, de uma quebra do PIB de 6,9%, da anterior estimativa da Comissão, que há dois meses previu uma queda do PIB nacional de 6,8%, respectivamente.

Há pouco menos de uma semana, o Conselho de Finanças Públicas (CFP) previu, no cenário mais benigno, uma queda da economia portuguesa de 7,5%. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima uma contracção do PIB de Portugal de 8% em 2020, a OCDE estima por seu turno -9,4% e o Banco de Portugal de -9,5%.

“Vários aspectos levaram a nossa projecção a ser mais pessimista para Portugal este ano. Mas, ao mesmo tempo, estamos mais optimistas em relação à recuperação da economia em 2021”, afirmou Gentiloni, que reviu ligeiramente em alta a perspectiva de retoma, de 5% para 6%, apesar do contexto ainda ser de grande incerteza.

“Os riscos ainda se mantém num sentido descendente por causa do impacto [da crise] no turismo internacional. A economia já mostrou alguns sinais de recuperação depois do levantamento gradual das restrições do confinamento, mas a expectativa é que a actividade se mantenha bem abaixo dos valores pré-pandemia por um período alargado”, avisou o comissário.

De resto, as duas principais mensagens de Paolo Gentiloni esta terça-feira foram: “a pandemia atingiu a economia europeia de forma mais dura do que esperávamos”, e “o caminho para a recuperação ainda está repleto de incertezas e riscos”. A maior incerteza diz respeito à escala e duração da pandemia, que continua a ser impossível de calcular. Os riscos têm a ver com a reacção do mercado laboral quando terminarem os esquemas temporários para a protecção de postos de trabalho ou com os problemas de liquidez e tesouraria das empresas.

Para Gentiloni, não se pode ainda excluir uma maior turbulência nos mercados financeiros, nem desvalorizar as consequências negativas de um fracasso das negociações entre a União Europeia e o Reino Unido para um acordo comercial antes do fim do ano.

O comissário europeu da Economia espera um outro acordo antes dessa data: a luz verde dos 27 líderes europeus ao novo pacote global proposto pelo executivo comunitário para a recuperação da economia da UE.

Gentiloni frisou a importância e a urgência da aprovação do próximo quadro financeiro plurianual para 2021-27 e do novo fundo para a recuperação e resiliência “Próxima Geração UE”, que a Comissão quer dotar com 750 mil milhões de euros. “A implementação rápida do plano de recuperação, cujo efeito não foi calculado na previsão que estamos a apresentar, injectaria imediatamente confiança neste momento crítico”, sublinhou.

Antecipando a difícil discussão que se avizinha, no Conselho Europeu dos dias 17 e 18 de Julho, em Bruxelas, Gentiloni admitiu que os Estados-membros queiram rever e alterar os critérios de alocação das verbas do fundo de recuperação, para reflectir os desequilíbrios que os números revelam em termos da severidade da crise nos diferentes países.

“São claras as divergências entre os países, tanto em termos da recessão como da capacidade de recuperação, que está relacionada com as diferenças nas contingências e nas estruturas económicas”, assinalou o comissário, que ainda assim defendeu o modelo apresentado pelo executivo, e severamente criticado por alguns Estados-membros.

Um dos exemplos tem a ver com o facto de, na grelha apresentada pela Comissão, a Polónia surgir no topo da lista dos principais beneficiários de fundos para a recuperação, quando foi a economia que menos sentiu o impacto da crise do coronavírus. De acordo com as projecções divulgadas esta terça-feira, o PIB da Polónia deverá cair 4,6% este ano e recuperar 4,3% em 2021 — se os números se confirmarem, será o país que melhor vai atravessar os tempos da pandemia.

Segundo as previsões, França, Espanha e Itália serão os Estados-membros mais atingidos pela crise do coronavírus, com quebras de 10,6%, 10,9% e 11,2%, respectivamente. Apesar dos números do crescimento previsto para 2021 parecerem impressionantes — uma expansão de 7,6% em França, de 7,1% em Espanha e de 6,1% em Itália — não serão, por si só, suficientes para compensar a devastação económica. “Se não houver uma forte intervenção política, não conseguiremos aproximar os países. As divergências, que já se manifestam, só vão aumentar”, alertou Gentiloni.

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