Precisamos de máscaras nas quais confiar

Já nos basta não poder confiar num vírus com esta imprevisibilidade. Que possamos confiar, dos profissionais de saúde ao comum dos mortais, nas máscaras que usamos.

A venda de máscaras e respiradores deixou de ser uma tarefa ética e urgente, à qual voluntariamente se dedicaram várias empresas no início aterrador desta pandemia, apesar de a sua actividade nada ter que ver com estes materiais de protecção, para se transformar numa oportunidade de negócio à qual não falta o proverbial oportunismo.

Na investigação que o PÚBLICO desenvolveu em colaboração com um consórcio internacional de jornalistas, que inclui 17 órgãos de comunicação social europeus, fica claro que há uma quantidade preocupante de máscaras e de respiradores que as várias administrações públicas adquirem sem que exista qualquer garantia de qualidade desse material. Na era pré-covid-19, todas elas teriam uma marcação CE, que atesta que o produto obedece às regras da União Europeia, então obrigatória nas compras públicas. Na era pós-covid, não.

A pressa e a urgência em dispor de máscaras e respiradores em grande número, e a uma escala global sem precedentes, eliminou o CE e o aligeiramento de procedimentos deixou um problema à vista. Há muitas empresas a certificar a segurança e a qualidade deste material de protecção sem que tenham legalmente permissão para o fazer, como comprova a European Safety Federation, que representa as empresas que produzem e distribuem materiais de protecção individual.

Mas, mesmo que não fosse necessário um certificado CE, as máscaras deveriam ser acompanhadas de relatórios sobre os ensaios efectuados, capazes de nos elucidar sobre o cumprimento dos devidos requisitos técnicos, como defende o director do Citeve, Braz Costa. Na sua ausência, todas as dúvidas são permitidas. A certificação deixou de ser obrigatória, mas a comprovação da qualidade dos produtos mantém-se. Como?, é a questão.

Portugal, como se revela nesta investigação, adquiriu centenas de milhares de máscaras sem garantia de qualidade. A segurança das máscaras FFP, que os profissionais de saúde em contacto com doentes de covid-19 mais usam, por serem as que oferecem maior protecção, podem ser de segurança duvidosa num contexto de certificação difusa. Se tivermos em conta que a ASAE apreendeu 627 mil máscaras destas por não obedecerem aos requisitos básicos de normalização, ficamos com uma ideia quer do negócio, quer do risco. Já nos basta não poder confiar num vírus com esta imprevisibilidade. Que possamos confiar, dos profissionais de saúde ao comum dos mortais, nas máscaras que usamos.

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