Dia 80: como serão os miúdos que fazem “cenas” para o TikTok?

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidades, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, e não só.

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@DESIGNER.SANDRAF

Querida Filha,

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Só vejo pré-adolescentes e adolescentes frente aos ecrãs dos telemóveis a encenarem “cenas” para o TikTok — menos mau —, ou a treinarem poses para fotografias, de lábios pintados e maquilhagem nos olhos, conscientes dos ângulos que mais as favorecem, imagens que nós adultos conotamos como “sexys” ou “provocadoras”, mesmo que elas não as vejam assim.

Há uma parte de mim que as inveja e que gostava de ser capaz de encarar como elas a lente de uma máquina fotográfica, de ser capaz de me divertir a interpretar um papel, mas há outra que se preocupa com a saúde mental e a auto-estima de quem está tão dependente dos “gostos” dos outros, e se torna num alvo fáceis da maldade dos “amigos”. Não é que a crueldade entre pares seja uma invenção do século XXI, longe disso, mas um comentário de viva voz podia ser rapidamente mitigado ao percebermos pela expressão do outro como o tínhamos magoado, e ficava circunscrito àquele grupo. Mas, agora, fica tudo indelevelmente escrito, e aberto a todos...

Como é que uma mãe reage a isto, como se educa para este novo mundo? Como é que se consegue o equilíbrio entre o colete de forças em que a minha geração, e a geração antes da minha, enfiavam tantas vezes o corpo — como se só a mente pudesse ser digna de admiração —, e a exibição narcísica e voyeurista, e no final da história fonte constante de sofrimento?


Querida Mãe,

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Não faço a mínima ideia! É a minha resposta mais honesta.

Também estremeço quando vejo as miúdas de 9 e 10anos, da idade das minhas, a tirarem selfies, até ficar “o ângulo perfeito”, com a maior tranquilidade, mesmo em frente de outras pessoas. A analisarem-se constantemente (a si e aos outros) para ver como é que ficaram, como é que ficariam melhor, e obviamente — ainda que nesta idade de forma mais tímida — como é que vão parecer aos olhos dos outros. Não tenho muita dificuldade em aceitar que façam TikToks, nem sequer filmes para o YouTube, desde que implique criatividade, não é tempo perdido.

Tento sempre não me esquecer de todas as fases pelas quais passei, a importância dos chats na Internet, a minha obsessão pelo telefone (como a mãe bem se lembra!), e tenho os meus diários para me garantirem que não era nem mais razoável, nem menos melodramática do que elas são agora. Mas, confesso que essa parte do corpo e da exposição online que os miúdos têm hoje, preocupa-me imenso. Incluindo a parte do bullying e dos comentários que têm que gerir para lá do “círculo de amigos”.

Dito isto, verdade seja que nós éramos expostas às modelos em pose nas revistas e na televisão. Sempre escolhidas pelos mesmos critérios. Sempre a passar um mesmo conceito de beleza. Enquanto que esta geração é exposta a uma variedade muito maior de pessoas: estes ídolos, que os miúdos seguem e admiram, têm corpos e estilos de vida muito diferentes entre si, e histórias de sucesso muito diversas. E isso é uma coisa boa. Mas sim, mãe, também me questiono sobre o impacto deste foco tão excessivo na imagem.

Apaziguo a minha preocupação, com a consciência de que não faz sentido projectar consequências, com base na nossa realidade. Deixe-me tentar explicar. Fazer poses frente a uma câmara tinha para nós um significado muito diferente do que aquele que com toda a certeza terá para quem o faça literalmente a vida inteira. E veja os amigos numa situação igual. Essa é a realidade deles. Pense que mesmo antes das selfies assumidas, mostramos-lhes toneladas de fotografias e vídeos deles a acordar, a adormecer, a comer a papa, a andar de bicicleta, a crescer. Não podem sentir a mesma reacção, nem os mesmos julgamentos interiores, perante a sua própria imagem, a sua própria voz, como nós temos. E se não fizerem esses juízos de si mesmos, talvez também não os façam quando são os outros. Pronto, não sei, mas espero que sim!

É esperar e ver, lembrando-nos sempre de que por mais que os youtubers lhe digam para aceitar o corpo com que nasceram, se em casa tiverem uma mãe ou um pai (ou ambos) constantemente a vergastarem-se por não conseguirem ser mais assim, ou mais assado, de pouco lhes servirá.


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram

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