Exame de Português: parte obrigatória sem conteúdos curriculares

Componente obrigatória do exame de Português valoriza a escrita. Faltaram à prova 4259 alunos.

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Exames do secundário começaram nesta segunda-feira Rui Gaudencio

Não existem conteúdos curriculares na componente obrigatória do exame de Português do 12.º ano, realizado nesta segunda-feira. A hipótese de ser esta a opção para as provas deste ano já tinha sido antecipada pelo PÚBLICO e é confirmada agora pelo exame de Português, a que compareceram 35.451 alunos dos 39.710 que estavam inscritos (e não 41.887 alunoscomo referido inicialmente), o primeiro a ser realizado de um calendário que se prolongará até ao próximo dia 23.

Esta componente obrigatória é constituída por cinco itens cuja cotação total vale 96 pontos em 200. Quatro deles valem 13 pontos cada e o quinto soma 44. Não há excertos das obras que constam da lista de leitura para o ensino secundário, nem perguntas sobre gramática. Os primeiros (itens 1 a 4 do grupo II) são perguntas de escolha múltipla a propósito de um texto do professor do Instituto Superior Técnico, Arlindo Oliveira, sobre a quantidade e a qualidade da informação que recebemos a toda a hora, Bits, estrelas e grãos de areia, publicado no PÚBLICO em 2019.

No último (grupo III do exame) pede-se que os alunos escrevam um texto de 200 a 350 palavras com uma “apreciação crítica” de um cartoon do pintor albanês Agim Sulaj, que se encontra reproduzido na prova.

Só a cotação deste cinco itens é que conta obrigatoriamente para a classificação final do aluno. Num comentário enviado ao PÚBLICO, a presidente da Associação de Professores de Português (APP), Filomena Viegas, destaca “a mudança de género de texto” pedido aos alunos no Grupo III, que está incluído na componente obrigatória, frisando que “é de saudar” pedir-se uma “apreciação crítica em vez do habitual texto de opinião, dado que é um dos conteúdos, associado a descritores de desempenho deste ciclo de ensino, que não tem sido avaliado.” E frisa também o seguinte: “Não são apenas os excertos de obras literárias que constam da lista de leitura para o ensino secundário que são conteúdos curriculares, qualquer outro excerto dessas obras e também de obras não literárias pode permitir que os alunos testem a sua competência leitora e a sua capacidade de reflexão crítica”.

Na informação divulgada em Maio sobre os exames, o Instituto de Avaliação Educativa (Iave, responsável pela elaboração dos exames) dava conta de que estes itens incidiriam “em competências e conhecimentos desenvolvidos e consolidados ao longo do percurso escolar ou na informação facultada pelos suportes associados ao item”, como por exemplo gráficos, mapas ou textos. 

“O que tentámos foi que os itens obrigatórios fossem o mais possível ligados a competências desenvolvidas ao longo de todo o percurso académico. Por exemplo, no Português é óbvio que o item “Escrita” mede uma competência que não está dependente só da leccionação do 3.º período deste ano”, explicitou o presidente do Iave, Luís Pereira dos Santos, em entrevista ao PÚBLICO.

De Eça a Padre António Vieira

Das restantes dez perguntas que integram a prova de Português, só contribuem para a nota final as oito cujas respostas tiverem melhor pontuação. Cada um destes itens vale 13 pontos. Os autores propostos constam da lista de leitura do 11.º e 12.º ano: Eça de Queirós, com dois excertos de A Ilustre Casa de Ramires e de Os Maias; Ricardo Reis e Padre António Vieira.

“Não vejo como se possa invocar qualquer tipo de potencial desigualdade ou injustiça entre alunos por via de conteúdos que podem não ter sido explorados devido à situação pandémica que se instaurou no fim do segundo período. O único conteúdo do 12º, ou seja, deste ano lectivo, é Ricardo Reis, que é logo dos que é lcecionado no início do 1º período. Tudo o mais, incluindo a gramática, são conteúdos dos anos lectivos anteriores”, comenta a docente de Português do secundário, Fátima Gomes, que é também professora classificadora de exames. E acrescenta: “Mesmo para o último grupo, a apreciação crítica (quando o mais habitual é ser pedido um texto de opinião), são dadas pistas para a estruturação desta tipologia de texto, o que facilita bastante a redacção”.

Para a APP, as duas primeiras perguntas do Grupo I, que “obrigam a relacionar aspectos de duas obras de Eça de Queirós, “são exigentes em termos de interpretação, implicando leitura inferencial”. Por outro lado, acrescenta a associação, existem três outras perguntas desta parte optativa que “podem ter criado alguma surpresa, dados que os alunos poderão não estar habituados a esta tipologia de apresentação dos itens”.

Trata-se das perguntas 3 e 6 do Grupo I (partes A e B) e da questão 7 do Grupo II. Em todas elas pede-se aos alunos para completarem afirmações, “seleccionando a opção adequada a cada espaço”. Existem três espaços em branco e para cada um deles são apresentadas três opções.

A APP considera também que a terminologia utilizada num destes itens ( n.º6 do Grupo I), relacionado com figuras de estilo e métrica de versos “pode ter levantado algumas dificuldades aos alunos”. Mas no geral a associação considera que “a prova está bem estruturada, cumpre os objectivos dos documentos de referência para o nível de ensino a que se destina, bem como as orientações divulgadas pelo Instituto de Avaliação Educativa (Iave), relativas aos exames”. 

No que toca aos alunos, o sentimento parece ser de tranquilidade. “Acho que vou tirar uma boa nota, só não sei se vai ser a nota que quero”, explica Hugo Vieira, aluno de Línguas e Humanidades da Escola Secundária Clara de Resende, no Porto, que pretende candidatar-se ao curso de Direito no próximo ano. Também Francisco Augusto, da mesma área, está satisfeito com a sua prestação, acrescentando ainda que achou o exame de Português “relativamente fácil”, embora não tivesse saído José Saramago “ou até Almeida Garrett”, que tinha estudado mais. Mariana Chibante, de Línguas e Humanidades, afirma também que “não correu mal, de todo” e que se sentia bem preparada. “Os professores prepararam-nos bem e acho que correu tudo bem, tendo em conta toda esta situação”.

Habitualmente, o exame de Português é obrigatório para todos os alunos do 12.º ano. Mas isso também mudou este ano porque os exames só contarão como provas de ingresso para os cursos do ensino superior  que os alunos escolheram.

Classificação feita online

Também o processo de classificação dos exames vai passar a ser diferente. Em vez das “grelhas de classificação tradicionais” em papel vai estar a funcionar uma plataforma online, “através da qual os professores classificadores vão poder registar as pontuações atribuídas a cada item de cada prova, durante o processo de classificação”.

Numa informação conjunta do Iave e do Júri Nacional de Exames, publicada nesta segunda-feira, refere-se que esta plataforma “foi desenhada para que o trabalho dos professores classificadores seja anónimo, seguro, mais eficiente e mais simples, encontrando-se pré-preenchidos os dados referentes aos códigos confidenciais e convencionais que permitem identificar as provas a classificar”. 

Desta forma consegue-se “um incremento de disponibilidade, fiabilidade, segurança e melhoria da qualidade dos dados”, destaca-se nesta nota, onde se frisa que “a qualidade do processo de classificação das provas de avaliação externa é considerada um requisito fundamental para que a validade das provas e dos respectivos resultados possa ser assegurada”. com Inês Pinto da Costa

Notícia corrigida às 21h00. Substitui “apreciação artística” por “apreciação crítica"

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