Covid-19: Com o discurso negacionista, Bolsonaro levou os apoiantes para o “matadouro”

Estudo mostra que, de cada vez que Bolsonaro desvalorizou a pandemia, o isolamento social caiu de imediato. Governo é rejeitado até por quem recebeu ajuda financeira do Estado.

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Jair Bolsonaro tem sido um grande opositor de medidas que restrinjam o movimento das pessoas para travar contágios Reuters/ADRIANO MACHADO

De cada vez que o Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, fez declarações em que desvalorizava o perigo da pandemia da covid-19, o isolamento social nas cidades do país caiu de imediato, revela um estudo preliminar aos efeitos políticos do discurso do chefe de Estado.

O estudo destaca cinco momentos entre Março e Abril em que Bolsonaro desvalorizou as consequências da pandemia ou se mostrou contrário às medidas de isolamento social para travar o contágio. Logo a seguir a todos eles, a taxa de distanciamento social caiu em todo o país, revelaram os autores do estudo Ideologia, isolamento e morte: uma análise dos efeitos do bolsonarismo na pandemia de covid-19 à Folha de São Paulo.

O gráfico mostrado pelo jornal revela uma oscilação recorrente do isolamento social no Brasil, mas nos cinco momentos analisados coincidem com quedas no respeito às medidas restritivas. A taxa de isolamento social foi medida a partir dos dados de geolocalização dos telemóveis.

Os autores também verificaram que o número de mortos por covid-19 foi mais elevado nos municípios onde Bolsonaro obteve mais votação nas eleições presidenciais de 2018. “É como se, com o seu discurso, Bolsonaro tivesse levado os seus eleitores ao matadouro”, disse à Folha o professor da Universidade Federal do ABC Ivan Filipe Fernandes, um dos autores do estudo.

Nessas cidades, a adesão às medidas de isolamento social também foi mais reduzida, de acordo com o estudo, que ainda não foi publicado e aguarda revisão científica, diz a Folha.

Bolsonaro tem sido muito criticado pela forma como tem gerido a pandemia do novo coronavírus, cuja propagação fez do Brasil um dos epicentros do contágio a nível global. O balanço mais recente aponta para mais de 1,4 milhões de casos confirmados e quase 60 mil mortos. Esta semana, a União Europeia recomendou o encerramento das fronteiras a pessoas provenientes do Brasil, por causa da situação epidemiológica no maior país sul-americano.

Apoio dos mais pobres

O aprofundamento da crise sanitária e económica está a fazer aumentar a impopularidade do Governo, que é avaliado de forma negativa por 44% dos eleitores, de acordo com a sondagem mais recente do instituto Datafolha, e recebe a aprovação de apenas 32%.

A rejeição de Bolsonaro é maioritária até entre os brasileiros que receberam o auxílio emergencial - um subsídio de 600 reais (cem euros) entregue à população mais pobre sem emprego formal por causa do novo coronavírus. Entre os que receberam pelo menos uma prestação, cerca de 49% avalia negativamente o Presidente, de acordo com uma sondagem revelada esta quarta-feira.

As conclusões contrariam a convicção do Governo de que o pagamento do auxílio iria permitir um aumento da sua popularidade junto da população mais pobre, sobretudo no Nordeste, onde Bolsonaro não obteve resultados tão bons como no resto do país nas últimas eleições. Esta semana, o subsídio, que beneficiou 64 milhões de pessoas desde que começou a ser pago, foi prolongado por mais dois meses.

Ainda assim, Bolsonaro mantém uma base de apoio estável em torno dos 30%, embora com diferenças na sua composição face aos últimos meses. Parte do apoio da classe média, que preza sobretudo a luta contra a corrupção, que tinha no início do ano, abandonou-o, sobretudo depois da saída do ministro da Justiça Sergio Moro do Governo e com o aprofundar das investigações sobre o seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro, suspeito de criar empregos fantasma quando era deputado estadual no Rio de Janeiro.

A perda de popularidadeneste sector foi compensada por uma subida junto dos mais pobres, decorrente do pagamento do auxílio emergencial. Entre o final de 2019 e Junho, a fatia do eleitorado mais pobre que apoia Bolsonaro subiu de 32% para 52%. Porém, vários especialistas sublinham que se trata de um apoio conjuntural, que deverá erodir assim que a prestação deixar de ser paga.

Sobre Bolsonaro continua a pender a ameaça de um impeachment. Nos últimos meses, chegaram à Câmara dos Deputados dezenas de pedidos para que seja aberto um processo de destituição, mas nenhum foi ainda iniciado. O apoio dos partidos do chamado Centrão, um bloco maioritário não ideológico, tem sido crucial para blindar o Governo que, em troca, tem concedido cargos e emendas financeiras a estes parlamentares.

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