Consumo de droga subiu 75% nas escolas. Polícia registou 192 casos no ano passado

Assaltos aos bancos passaram de moda e foram substituídos por burlas online contra a banca e os seus clientes. Piratas informáticos especializam-se em pedir resgates, assinala Relatório Anual de Segurança Interna referente a 2019 entregue no Parlamento.

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evr enric vives-rubio

O consumo de droga disparou entre 2018 e 2019 nos estabelecimentos de ensino e nas suas imediações, apesar de não ser dos crimes mais frequentes. Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna, entregue esta terça-feira no Parlamento, no ano passado as autoridades registaram 192 ocorrências relacionadas com a posse e o consumo de estupefacientes, contra 110 no ano lectivo anterior – o que significa um acréscimo da ordem dos 75%.

Outro tipo de ilícito cometido em ambiente escolar que registou igualmente crescimento foi o vandalismo, que passou de 150 para 217 ocorrências. Seja como for, as agressões continuam a ser o crime mais frequente nos recintos escolares e imediações, seguindo-se-lhes os furtos e as injúrias. Ainda assim, sublinha o relatório, no cômputo geral assistiu-se a uma diminuição dos delitos em meio escolar.

O mesmo não sucede, porém, com a chamada criminalidade grupal: “Frequentemente associada à delinquência juvenil, que envolve uma subcultura criminógena potenciadora, e até encorajadora, da prática de actos ilícitos.” E apesar de continuarem a predominar em Portugal os grupos “com pouca coesão interna e débil estrutura, onde a delinquência não é sistemática”, as forças de segurança dão conta de mais 715 ocorrências deste género em 2019 por comparação com o ano anterior, naquilo que é um aumento de quase 16% do fenómeno.

Os especialistas em segurança interna mostram-se particularmente preocupados com as questões da cibersegurança, até porque os crimes informáticos escalaram 42,7%, registando mais 395 casos. E todos estes dados ainda não incluem o período abrangido pela pandemia, em que houve um acréscimo significativo destes delitos. Mas mesmo antes do surgimento do covid-19 já era possível observar uma tendência de redução de crimes como o furto de carteiras e os assaltos a ourivesarias, bancos ou bombas de gasolina, enquanto o cibercrime crescia.

E a esse nível o futuro não se avizinha risonho, avisa o relatório em causa, antecipando a chegada aos serviços do Estado de um tipo de sabotagem informática conhecida por ransomware, que impede os utilizadores de acederem ao seu sistema ou ficheiros pessoais e lhes exige o pagamento de um resgate, habitualmente em criptomoeda. “Prevê-se o incremento do malware bancário com possível alargamento do fenómeno a pessoas colectivas; o reforço da especialização do ransomware para sectores de actividade específicos e possível transição do fenómeno para o Estado, como acontece em outros países e o aumento do grau de prejuízo pela especialização cada vez maior dos ataques”, pode ler-se no documento. O ransomware foi a forma de sabotagem informática mais comum em 2019, tendo afectado especialmente as pequenas e médias empresas.

Dezenas de câmaras e de juntas de freguesias foram atacadas por piratas informáticos no ano passado, e várias delas viram os criminosos exigir-lhes resgates. Foi o que sucedeu por exemplo em Vinhais, onde os piratas informáticos encriptaram os dados da autarquia – que, ao que foi anunciado, conseguiu resolver o problema sem ceder à chantagem.

Neste capítulo merece destaque a filial portuguesa do CyberTeam, que terá pirateado os sites do Benfica, da EDP e da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol, tendo tentado fazer o mesmo à Altice. O seu líder tem 19 anos e foi detido em Abril passado. Sem nunca utilizar nomes, o Relatório Anual de Segurança Interna assinala que “o universo hacktivista gerou novos actores nacionais que alegam maior ligação aos círculos congéneres internacionais, integrando acções conjuntas e procurando maior protagonismo pessoal ou colectivo, em detrimento da marca ideológica que caracterizava as gerações precedentes”.

Burlas como as que têm sido feitas através do sistema de pagamento Mbway também não passaram despercebidas: “Assistiu-se ao crescimento do uso das características do sistema MBway para cometimento de fraudes em massa, com recurso a técnicas de engenharia social”, refere o relatório, numa alusão às técnicas de persuasão usadas pelos burlões nas conversas telefónicas com as vítimas. “Muitos dos cidadãos que aderem a este produto não estão suficientemente esclarecidos para os necessários cuidados de segurança”, pode ainda ler-se. Este tipo de fraude irá ainda sofrer evoluções, em especial nas áreas dos pagamentos contactless e mobile, prevêem os especialistas.

Do lado dos crimes contra as pessoas merece relevo o aumento da violência doméstica: “Assume o valor mais elevado desde 2010, com uma variação de 11,4% (mais 3015 casos)”. A distribuição do fenómeno não é, porém, uniforme ao longo do país: em termos absolutos, os distritos de Lisboa, Porto, Setúbal Aveiro e Braga continuam aqueles onde se registam mais ocorrências, mas é no de Santarém e Castelo Branco que surgem os maiores aumentos percentuais deste tipo de criminalidade, por comparação com 2018.

A criminalidade geral registou mais 2391 participações, o que corresponde a um aumento de 0,7%, enquanto a criminalidade violenta e grave subiu 3%, sobretudo por via do aumento de roubos na via pública, com excepção do esticão.

Esta análise inclui ainda uma incursão pelo mundo desportivo, ficando-se a saber que no ano passado se registaram 1687 ocorrências relacionados com o uso ou posse de artefactos pirotécnicos e quase uma centena com o incitamento à violência, racismo e intolerância. Outros tantos adeptos foram expulsos de estádios e 156 impedidos de assistir a eventos desportivos. Houve 317 agressões. 

Extrema-direita faz campanhas de desinformação

Os serviços secretos estão atentos ao aumento de actividades de grupos da extrema-direita violenta algo que “a própria conjuntura internacional favoreceu” e encaram-na como “uma ameaça relevante na Europa e também noutras latitudes”.

Em Portugal, destacaram a forma como a extrema-direita se está a “reorganizar”, “reciclando o discurso, formando novas organizações e recrutando elementos junto de determinadas franjas sociais a que normalmente não acediam num passado não muito distante”. Há tendência para multiplicação e desdobramento de actividades, sublinham, designadamente na Internet, em redes sociais e em grupos fechados — embora de forma mais ocasional, também usam o espaço público.

O RASI explica que a extrema-direita portuguesa “deu primazia ao combate do que apelida como marxismo cultural, numa tentativa de sensibilizar a sociedade civil ao seu discurso e ideário extremista, com vista ao alargamento da sua base social de apoio”. O foco deste extremismo é colocado na luta pela “reconquista” da Europa.

Porém, as suas actividades “não se restringem à ideologia neonazi”: os grupos extremistas têm feito uma “estreita conexão” com outros grupos na Europa, “nomeadamente associados à tendência identitária, que também ganhou espaço” em Portugal. E falam em estratégias de manipulação da opinião pública: “Em ano de eleições para o Parlamento Europeu e para a Assembleia da República praticamente todos os sectores da extrema-direita concorreram para a intensa difusão de propaganda e desinformação tanto online como através de manifestações e contramanifestações, debates e publicações diversas, fomentando clima de alguma tensão com os adversários do espectro político oposto, marcado por confrontos físicos pontuais”.

No mesmo documento, os serviços secretos lembram que houve uma “legitimação político-eleitoral de ideias perfilhadas pela extrema-direita” mas que isso “não atenuou a violência ideologicamente motivada”. Falam mesmo de multiplicação de “atentados e tentativas de atentados terroristas” de homens sozinhos ou de “pequenas células de extrema-direita, nomeadamente na Nova Zelândia, nos EUA e em diversos países da Europa”. Com Joana Gorjão Henriques

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